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Rosemberg Cariry: Josafá Duarte - o cinema das quebradas
Opinião

Rosemberg Cariry: Josafá Duarte - o cinema das quebradas

O 33º Cine Ceará fará uma homenagem a Josafá Duarte, prestando um tributo simbólico aos artistas populares e aos muitos cineastas do povo que florescem neste país, nos mais inusitados e esquecidos lugares
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Josafá Ferreira Duarte, militante do MST, líder comunitário e cineasta, é uma expressão viva da cultura popular cearense e nordestina, em tempos de transmodernidade. O cinema que ele realiza, com modelo de produção próprio, usando técnicos e atores da cidade de Forquilha e do Distrito de Salgado dos Mendes, na região norte do Ceará, é algo que se destaca pelo volume e pela inquietação dos seus temas, muitos deles com preocupações ecológicas, sociais e políticas.

Na busca de uma classificação, o cinema de Josafá já foi chamado de "cinema de Borda", de "cinema periférico", de "cinema-cordel", de "cinema das quebradas", de "cinema beiradeiro", de "cinema popular". Afinal, que cinema é esse? Um cinema antropofágico-popular sempre devorando os modelos impostos pelas grandes empresas nacionais e multinacionais, em busca de um pertencimento comunitário e como expressão da vida cotidiana em suas agruras, quase sempre recorrendo ao humor e à crítica social. As dificuldades técnicas são superadas pela inventividade e pela alegria imensa de fazer cinema.

O 33º Cine Ceará fará uma homenagem a Josafá Duarte, prestando um tributo simbólico aos artistas populares e aos muitos cineastas do povo que florescem neste país, nos mais inusitados e esquecidos lugares. Esses filmes, raramente, são vistos nos grandes festivais, quase sempre são menosprezados pelas resenhas mais desleixadas, mas resistem e pulsam com inusitado vigor.

Parafraseando Paulo Emílio Salles Gomes (intelectual desabusado e de rara lucidez), lembro que esse tipo de cinema, muitas vezes mal e apressadamente avaliado, pode nos ensinar mais sobre a nossa realidade e o nosso imaginário (enquanto brasileiros — sobreviventes de uma civilização periférica, subdesenvolvida e dependente), do que o melhor filme estrangeiro.

Tal assertiva não dispensa o nosso interesse pelo que vem de fora, nem nos dá a arrogância do desprezo pelo cinema endógeno dos despossuídos, mesmo quando ele nos parece mais frágil. Nessa fragilidade, mora justamente a sua fortaleza, feito o caniço fino e maleável que, na sua aparente humildade, sabe curvar-se e, quase invisível ao olho do furacão, consegue sobreviver, sem se quebrar. Cresce no lajedo e "tira leite das pedras".

 

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Rosemberg Cariry

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