Na história da Corte Guardiã da Constituição Cidadã, 171 ministros ocuparam uma vaga. Dentre eles, apenas três mulheres brancas. Somente nos anos 2000 uma mulher passou a integrar a Suprema Corte. Sempre houve um abismo social que explica a ausência de uma ministra negra no STF. Recentemente, o presidente afirmou que o critério para sua próxima indicação "não será de gênero ou cor, mas atender aos interesses do Brasil". Assim, nós, mulheres negras juristas, indagamos: há quem atenda mais aos interesses de um país de dimensões plurais do que uma representante do grupo social formado por mulheres negras? O IBGE aponta que 56% dos brasileiros se autodeclaram negros.
Além disso, quase um terço da população é formado por mulheres negras. Entretanto, segundo o Conselho Nacional de Justiça, apenas 12,8% dos magistrados brasileiros se declaram negros. Em resumo, a questão central não é apenas a representatividade quantitativa, mas a substância atribuída a nós, mulheres negras. Simbolicamente, inserir em um dos lugares de Poder mais importantes a personificação que atribuímos apenas à empregada doméstica, à vítima de violência ou à catadora de lixo é de um esforço coletivo descomunal, sobretudo para quem não reconhece os próprios privilégios.
O impacto estrutural no machismo-racismo enraizado vai além do critério de notório saber jurídico e reputação ilibada. Reforço que, além da confluência identitária de gênero e raça, a presença de uma mulher negra no STF irá refletir a realidade e a diversidade da maioria da população em decisões fundamentais. Assim, a representatividade que reivindicamos não se restringe à dimensão de gênero racial, mas confere consistência democrática à atuação da Suprema Corte, como uma fresta no teto de chumbo para nós, mulheres negras no Sistema de Justiça.
Recentemente, o Brasil reconheceu que o exercício da advocacia nasceu de uma mulher negra, escravizada e mãe, que representava não só a si ou ao povo escravizado, mas a busca incansável por justiça que refletiu a luta pela própria existência. Desejo que o espírito emancipatório de Esperança Garcia seja o guia para a escolha que traçará uma linha histórica no STF: o dia em que a primeira mulher negra tomou assento no coração da justiça brasileira. n