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Regina Ribeiro: Sandy, Lucas, Tolstói e nós
Opinião

Regina Ribeiro: Sandy, Lucas, Tolstói e nós

De repente, começa o esquadrinhar as mídias dos dois, Lucas e Sandy, esmiuçar, traduzir, inferir cada palavra para descobrir quem terminou com quem e porque acabaram um casamento "perfeito". Sobrou, então, para o russo Liev Tolstói
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A separação dos artistas Sandy e Lucas mobilizou boa parte das atenções no Brasil. Em 43 segundos, o Google me entregava, ontem pela manhã, 246 mil conteúdos sobre o fato que, em tese, é pessoal e de foro íntimo.

O que parece ser mais alarmante nem é a separação em si. Mas, a forma cordial como tem se dado.  Os dois estiveram juntos no "Altas Horas", da TV Globo, 24 após o anúncio da separação, falaram sobre o assunto e cantaram juntos. Depois, fizeram uma turnê pela Europa, dividiram o palco de forma carinhosa, voltaram no mesmo avião e desembarcaram amigavelmente. Lucas Lima recebeu um prêmio de teatro e agradeceu à ex-mulher. Fez aniversário e recebeu parabéns da Sandy.

Realmente é "estranho". E de repente, começa o esquadrinhar as mídias dos dois, esmiuçar, traduzir, inferir cada palavra para descobrir quem terminou com quem e porque acabaram um casamento "perfeito". Sobrou, então, para o russo Liev Tolstói.

O título da primeira notícia que li perguntava: "Tolstói levou Lucas Lima a se separar de Sandy?". Como? Daí, aparece o post do artista, que tem 1,8 milhão de seguidores do Instagram com a capa d`"A morte de Ivan Ilitch" e um trecho do livro. Pronto, as conjecturas não pararam mais. A novela de Tolstói deu um salto nas vendas tão considerável que passou a ser chamado de "Efeito Sandy". Parece que ninguém havia percebido que a mídia do rapaz é cheia de títulos que vão de Carla Madeira ("Tudo é rio"), a Elena Ferrante ("Dias de abandono" "A filha perdida" e o quarteto napolitano), entre muitos outros autores e livros.

Tenho pensado que vivemos uma sociedade viciada em barraquices e gente "se passando" de todas as formas possíveis. Além disso, tudo indica que é necessário ver as pessoas sangrando e a satisfação só se completa diante da sordidez e da vileza alheia.

Com tal necessidade explícita, a cortesia do ex-casal não convence. E a produção de notícias em torno deles continua a toda velocidade. Semana passada, o escritor português Valter Hugo Mãe, que assistiu ao show do casal no Porto, em Portugal, falou da epifania que sentiu em vê-los cantando juntos, harmonicamente. Mas, quem liga para epifania, não é mesmo? O que correu o mundo foi a especulação sobre se eles haviam dormido ou não no mesmo apartamento durante a turnê. A mais nova informação traz no título uma "vidente" que garante: "Por carência e solidão, Sandy dará outra chance a Lucas". Hahahahahaha. Certo..

Enquanto vejo essa movimentação em torno de Sandy e Lucas, lembro da música "Carmem" do cantor belga, Stromae. A canção fala do amor como o funcionamento de uma rede social (no caso, o Twitter, atual X). Misturando hap com batida techno, marca de Stromae, ele canta esse amor descartável que "passa até recibo para troca". Qualquer coisa que fuja desse padrão de relacionamento com código de barras, deixa boa parte das pessoas desorientadas. É de outro sabor. O cardápio precisa ter escândalo, baixeza, feridas explícitas, sofrimento apocalíptico, o fim desnervado de qualquer dose de compaixão.

Gentileza, gratidão, amizade, amor chegam a ser assustadores nos nossos dias. Ainda bem que Sandy tem suas canções, e Lucas, Tolstói. n

 

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Regina Ribeiro

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