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Hayeska Costa Barroso: Aquilo que chamamos de "sinais" de alerta para a violência doméstica já é, por si mesmo, violência
Opinião

Hayeska Costa Barroso: Aquilo que chamamos de "sinais" de alerta para a violência doméstica já é, por si mesmo, violência

Ainda que as perguntas sejam múltiplas, as respostas apontam para as marcas estruturais de uma sociedade em que o machismo e a misoginia dão o tom das relações sociais. Nesse tipo de sociedade ser mulher é ser alvo
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Hayeska Costa Barroso
Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UNB)
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Hayeska Costa Barroso Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UNB)

A repercussão midiática do caso de violência doméstica praticada por Alexandre Correa, marido da apresentadora Ana Hickmann, joga luz na direção de um fato que, nós, estudiosas do campo da violência de gênero, já afirmamos há tempos: a violência contra a mulher nos atinge independente da classe social e da raça/etnia. É bem verdade, contudo, que raça e etnia aqui não são vistas apenas como "marcadores sociais" e/ou "indicadores". Estamos falando a partir da premissa de que classe, raça e gênero estão imbricados de tal forma, que não nos parece razoável recair em abordagens ingênuas que querem hierarquizá-las ou ignorá-las na leitura de qualquer expressão de violência contra as mulheres.

Qualquer análise mais apressada leva a questionamentos do seguinte tipo: "- Como uma mulher como a Ana Hickmann, com acesso à informação e com boas condições materiais, se permitiu permanecer numa relação marcada pela violência? Como ela aceitou ser humilhada e desrespeitada? Por que, logo no primeiro aceno de uma conduta violenta por parte de seu companheiro, ela não rompeu com o relacionamento conjugal? Ela não conseguiu perceber os "sinais" de que ele era um homem violento?".

Ainda que as perguntas sejam múltiplas, as respostas apontam para as marcas estruturais de uma sociedade em que o machismo e a misoginia dão o tom das relações sociais. Nesse tipo de sociedade ser mulher é ser alvo. Parece-nos um ledo engano imprimir às mulheres a responsabilidade de, como num radar, ter que identificar os "sinais" da violência da qual ela é vítima.

O fato é que aquilo que chamamos de "sinais" de alerta para a violência doméstica - práticas, falas e comportamentos sociais arraigados das mais puras expressões do patriarcado e do machismo e, por vezes, relativizados como traços de "personalidade" - já são, por si mesmo, uma das faces com que a violência nos atinge, tanto nas esferas pública quanto no reduto dos lares.

Ameaças, humilhações, chantagem, manipulação, xingamento, controle das redes sociais virtuais e presenciais não são apenas sinais de violência, mas diferentes formas com que a violência psicológica, tipificada na Lei Maria da Penha, se expressa. Não confundamos como simples "discussões de relacionamento" as mais genuínas formas de violência contra as mulheres quando, na verdade, muitos desses relacionamentos conjugais nada mais são do que a encarnação, na dimensão privada, de uma estrutura de poder e dominação da qual nenhuma mulher está imune.

 

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