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Jéssika Sisnando: Um aniversário sem comemoração
Opinião

Jéssika Sisnando: Um aniversário sem comemoração

A dor da mãe de Ivo é sentida em cada mãe que se despede do filho, mas não sabe se volta. No armário, ficam as medalhas que acumulava ao longo dos meses de corridas de rua e as fotografias de um rapaz com sorriso desenhado
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Na manhã desta quarta-feira, 27, morreu um rapaz chamado Ivo. Com a partida dele, também se foi a alegria da mãe, que faria aniversário no mesmo dia em que o filho foi vítima de latrocínio, roubo seguido de morte. Ivo estava a caminho do trabalho quando foi atacado por quatro assaltantes, que subtraíram o aparelho celular e também a sua vida. Ele foi morto com um golpe de faca no peito.
A dor da mãe de Ivo é sentida em cada mãe que se despede do filho, mas não sabe se volta. No armário ficaram as dezenas de medalhas que o rapaz acumulava ao longo dos meses de corridas de rua. As fotografias com sorriso desenhado, os amigos que conquistou com o esporte, as histórias bonitas que o descrevem como um rapaz atencioso.
O senhor que frequentava a estação de trem, no Conjunto Ceará, onde Ivo trabalhava como caixa de bilheteria, estava triste. Ele dizia que o rapaz era bondoso e que, em algumas situações, chegou à estação com o trem já no momento de partir. O Ivo deixava que ele passasse para pagar no outro dia. A gentileza ajudava a não atrasar no emprego.
Outra pessoa da vizinhança comenta que Ivo, quando estava a caminho do trabalho, parava para fazer companhia a uma senhora para que ela não ficasse sozinha na parada de ônibus. Nas corridas, ele reduzia seu tempo, propositalmente, para acompanhar os colegas e incentivá-los a correr.
Os colegas corredores se reuniram, cada um ajudou como podia, para custear o sepultamento, as coroas de flores, o cemitério. No momento de dor a solidariedade cativada por Ivo prevaleceu.
Dizem que quando um filho morre, todas as mães morrem um pouco. No caso do Ivo, a vida banalizada em troca de um aparelho celular. Esse fim de ano é difícil para muitas mães, filhos, esposas, maridos e amigos de pessoas mortas vítima de violência no Ceará.
É a mãe do Kauã, de 15 anos, morto em São Gonçalo do Amarante, a mãe do Ray, de 16 anos, morto no Vila do Mar, a mãe do Iarley Félix, filho único, de 15 anos, morto em Maracanaú.
A família de Francisco Joserice, de 49 anos, morto durante assalto, os parentes do inspetor Félix, morto em Granja, a filha da Talita Lopes, que morreu após ter 80% do corpo incendiado.
Morre a vontade de sentar na calçada, a ida ao parquinho. Morre nossa liberdade e nasce a prisão ocasionada pelo medo da bala perdida, do filho sair e ser o último abraço.
Segue difícil achar um motivo para comemorar.

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Jéssika Sisnando

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