Uma conjuntura de mudança política, anticomunismo extremado, difusão de teorias conspiratórias, agressões físicas, ameaças de bomba, explosões, destruição do patrimônio público e privado, pânico na sociedade, leniência das autoridades responsáveis pela manutenção da ordem, envolvimento de segmentos do aparato de segurança, incertezas quanto ao futuro.
As palavras acima sintetizam o pano de fundo dos atos violentos ocorridos em Brasília a 8 de janeiro de 2023, quando extremistas de direita, ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, provocaram um grande quebra-quebra na intenção de derrubar do poder o novo e recém-empossado mandatário brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo que se depreende das falas à imprensa e das mensagens e vídeos nas redes sociais, muitos dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado se entendiam como patriotas, nacionalistas, portadoras de valores religiosos e morais superiores.
Em um jargão famoso, seriam "homens e mulheres de bem" que decidiram salvar o Brasil do "comunismo" por todos os meios possíveis - apelando, inclusive, para a violência -, rejeitando o resultado das urnas. Tais pessoas exemplificam bem os imaginários e as identidades de muitos dos componentes de uma extrema-direita que, embora tenha raízes antigas e não seja um fenômeno apenas do Brasil, cresceu de forma expressiva no País na última década.
No Brasil, há uma cultura política de conciliação, sobretudo envolvendo setores dominantes ou privilegiados, como estratégia para superar conflitos e/ou evitar a participação popular nas grandes decisões. O exemplo mais clássico disso foi a Lei da Anistia de 1979, que, não obstante sua importância, deixou várias questões em abertas, como a dos desaparecidos políticos da ditadura, e ainda beneficiou e garantiu a impunidade dos agentes da repressão responsáveis pelas inúmeras violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1985.
Por mais que se argumente que se tratem de formas de garantir a governabilidade e a estabilidade política, as tendências conciliatórias acabam por não desestimular investidas autoritárias futuras ou ações políticas violentas. Não há como hesitar sobre a gravidade do que se deu em 8 de janeiro. Os responsáveis e os financiadores devem ser identificados e exemplarmente punidos dentro do Estado de direito democrático. Devemos isso às gerações futuras. Golpes e ditaduras nunca mais. n