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Rosemberg Cariry: Os beguinários e as casas de mulheres
Opinião

Rosemberg Cariry: Os beguinários e as casas de mulheres

As beguinas representam um legado de grande importância pelas transformações que ocasionaram no meio social de então, marcando um momento importante da liberação feminina na Baixa Idade Média
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Na Baixa Idade Média, as cruzadas, as incontáveis guerras, as pestes cíclicas e a fome deixavam muitas mulheres viúvas e desprotegidas, entregues à própria sorte, no mundo machista e hostil que as circundava. Muitas dessas mulheres procuravam viver em comunidades. Eram chamadas de beguinas, e as casas onde moravam de beguinários. Marginalizadas socialmente, procuraram nos beguinários afirmar a sua fé religiosa, a sua liberação econômica e social, visto que lá podiam ter atividades econômicas que lhes permitiam viver e ainda fazer caridades.

Como eram proibidas a essas mulheres entradas nas Universidades e escolas de mais alto nível, os beguinários funcionavam como núcleos espirituais, mercearias caritativas, escolas de saberes e ciências, centros difusores de cultura, onde muitas mulheres, de várias classes sociais, podiam estudar, aprender a ler e a escrever, aprender sobre o amor dos evangelhos ou mesmo especializar-se em ofícios artesanais e artes, constituindo-se o beguinários uma unidade produtiva comunitária e independente. As beguinas representam um legado de grande importância pelas transformações que ocasionaram no meio social de então, marcando um momento importante da liberação feminina na Baixa Idade Média e continuando a ter alguma importância ao longo dos séculos.

Acreditarmos ser o movimento das beguinas a matriz que geraria, no século XIX, no Nordeste brasileiro, a partir da ação do padre Ibiapina, de Antônio Conselheiro, do padre Cícero e do beato José Lourenco, as Casas de Caridades e as Casas de Beatas, como irmandades leigas femininas de grande importância no chamado catolicismo popular. O movimento das Casas de Caridade e das beatas foram fundamentais para a autonomia e protagonismo da mulher sertaneja, naquela época.

Mesmo hoje, em meio às violências e misérias causadas pelo neoliberalismo, fico pensando que os beguinários poderiam inspirar ainda o surgimento de Casas de Mulheres: unidades habitacionais comunitárias, livres e produtivas, relacionando-se ativamente com a sociedade mais ampla, onde algumas mulheres (em situação de vulnerabilidade social ou não) poderiam se organizar economicamente e culturalmente, encontrando formas de proteção e de autonomia, apoiando-se mutuamente e vivendo com dignidade. As que quiserem constituir família são livres para partir e as que fugirem das famílias patriarcais, dos abusos machistas, ou mesmo da pobreza e das opressões, serão bem-vindas. Afinal, as beguinas antecipam em séculos o movimento feminista e podem ainda apontar alternativas contemporâneas de resistência e de luta.

 

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Rosemberg Cariry

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