No final de 2023, foi assinado pelo Presidente Lula e pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, o decreto que regulamenta a Lei nº 14.489/2022, chamada de Lei Padre Júlio Lancellotti. De autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), a lei faz parte do Plano Nacional Ruas Visíveis e proíbe a chamada "arquitetura hostil", que seria caracterizada pela utilização de elementos e materiais tais como espetos pontiagudos, pavimentação irregular, cercas eletrificadas e muros com cacos de vidro com fins de afastar pessoas dos espaços públicos.
A importância e urgência da lei são inegáveis, e ver um tema tão relevante relacionado à arquitetura e ao urbanismo ganhando força no debate nacional é motivo de comemoração para nós, profissionais desta área que acaba tendo, muitas vezes, o alcance das suas discussões restrito à mídia especializada. Mas é interessante refletirmos também sobre a necessidade, em primeiro lugar, de se criar uma lei assim.
Não propor uma "arquitetura hostil" parece ser algo quase óbvio, que deveria ser senso comum, algo mais do que básico para se pensar qualquer ideia de cidade ou edifício. Infelizmente, não é, e a criação da lei parece evidenciar mais um estado crítico da sociedade brasileira atual em questões sociais mais profundas do que propriamente apontar caminhos e discussões sobre para onde a produção do espaço arquitetônico e urbano deve seguir.
Nesse sentido, não seria válido avançarmos um pouco mais no debate e nos perguntarmos se não existem outras hostilidades com as quais acabamos nos acostumando? Calçadas estreitas, irregulares, mal arborizadas e fechadas com muros altos e opacos, não seria uma forma de arquitetura hostil? Trechos de cidade mal abastecidos da infraestrutura urbana básica, com falta de banheiros, acesso a transporte público e saneamento básico, não seria uma forma de arquitetura hostil?
Talvez possamos aproveitar o ensejo desta lei para levarmos o debate para além da arquitetura hostil. É preciso lutarmos para que não seja suficiente simplesmente não construir espetos, cercas e cacos de vidro que afastem as pessoas do espaço público, mas sim buscarmos cada vez mais leis que incentivem espaços arquitetônicos e urbanos com qualidade para toda a população, que possam convidar a sociedade para espaços mais sustentáveis, inclusivos e democráticos.