Em regra, as ações penais - processos acusatórios decorrentes da prática de delitos - são movidas pelo Ministério Público, o qual, enquanto titular da ação penal, oferece ao Estado, na figura do juiz, uma denúncia com todos os limites do fato a ser apurado e julgado. Respeitada a liturgia procedimental, depois da colheita de provas e das manifestações da acusação e da defesa, o processo torna-se maduro para julgamento.
Nesse momento, em alguns casos, o juiz depara-se com um pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público, o mesmo órgão que deflagrou a ação penal com o oferecimento da denúncia. Nessa hipótese, uma questão ainda não foi devidamente esclarecida e superada pelos tribunais brasileiros: pode o magistrado condenar alguém mesmo que o promotor tenha pedido a sua absolvição?
O artigo 385 do CPP prevê que, "nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada". Tal dispositivo permitiria, assim, a condenação em caso de pleito absolutório ministerial.
Por outro lado, a Constituição Federal e o Código de Processo Penal (CPP), em seu artigo 3º-A, estabelecem uma "estrutura acusatória", pela qual são "vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão da acusação". Em outros termos, no chamado sistema acusatório, a investigação, a acusação e o julgamento são delegados cada um a um órgão diferente, cumprindo cada qual sua função estrita, sem coincidência de atribuições.
Nesse contexto, seguindo o entendimento de Aury Lopes Júnior, parece-nos necessário superar a ideia do Ministério Público como "credor" de uma pena, pois "o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória", afinal "o poder punitivo [do Estado] é condicionado à existência de uma acusação". Esperamos que os Tribunais Superiores consolidem a jurisprudência nesse sentido, apesar de recentes julgados divergentes do Superior Tribunal de Justiça.