"A Casta somos nós", dizem os argentinos em entrevistas espontâneas transmitidas diariamente pelos canais all news do país. O povo não come vidro e já entendeu. Javier Milei ganhou as eleições presidenciais da Argentina no fim do ano passado prometendo terminar com os privilégios do que chamava casta política.
Hoje, quase cem dias depois da posse, nenhuma medida econômica do novo governo foi tomada para atingir este objetivo. Muito pelo contrário. O perverso ajuste econômico aplicado por Milei em tão poucas semanas afetou diretamente a vida da grande maioria da população, provocando uma perda de poder aquisitivo recorde que afeta principalmente as classes médias e baixas e os aposentados mais pobres do país.
Agora, como se já não bastasse o estelionato eleitoral das primeiras semanas de governo, a motosserra de Milei degolou do dia para a noite, mas especificamente de noite, a agência pública de notícias da Argentina, Télam, criada há 78 anos amplificando a pluralidade de temas e vozes que somente uma empresa de comunicação pública pode garantir.
Em uma decisão inédita e ilegal, em plena madrugada, a porta principal da agência foi bloqueada, os trabalhadores desalojados pela polícia e suspensos por uma semana, sem qualquer tipo de ordem judicial, como se estivessem em plena Ditadura, drama que os argentinos conhecem tão bem como nós - ou pior do que nós, porque a deles foi terrivelmente mais sangrenta e cruel.
A justificativa, bem ao estilo a-terra-é-plana-e-o-comunismo-uma-ameaça, desvia as atenções para o óbvio. Ao acusar a agência estatal de ter sido utilizada nas últimas décadas como agência de propaganda Kirchnerista, Milei tem sua desculpa para a barbárie. Mas a decisão é ilegal. Explicam os constitucionalistas que Télam é uma sociedade do Estado regida por uma lei, que em seu artigo 5 exige prévia autorização do Congresso para poder ser liquidada pelo Poder Executivo.
Por mais que a Télam tenha sido, nas últimas décadas, uma agência de propaganda Kirchnerista, os Kirchner já não estão no poder. E a Télam é um patrimônio do Estado e, portanto, de toda a sociedade argentina. A única agência de notícias com alcance federal e correspondentes em todas as províncias do país. Destruí-la com estes argumentos kirchneristofóbicos nada mais é do que crueldade e censura.