O filme “Ainda Estou Aqui” consagrou-se na história do cinema nacional ao ser indicado a três das mais importantes categorias do Oscar. Um drama que narra a luta incansável de Eunice Paiva para descobrir a verdade sobre o paradeiro do marido Rubens Paiva, deputado cassado pela ditadura, depois desaparecido político.
O reconhecimento não poderia ter ocorrido em melhor momento. Recente pesquisa DataFolha revelou que 62% dos brasileiros são contra a anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A hashtag #semanistia replicada a exaustão nas redes sociais revela a preferência nacional pela democracia frente à ditadura. Tal contexto converge com um novo ciclo na Comissão de Anistia, agora presidida pela procuradora aposentada Ana Maria Oliveira, decana do colegiado, integrante da composição originária de 2002, com breve afastamento apenas no governo anterior quando se tentou, a todo custo, mandar às favas a Comissão.
A nova presidenta sucede a professora Eneá de Stutz e Almeida que retirou a Comissão das cinzas e inaugurou competências importantes como a aprovação das anistias coletivas. Ana Maria pode fazer ainda mais. Na esteira da conscientização social promovida pelo filme tem a oportunidade ímpar de inserir a luta por memória, verdade e justiça na ordem do dia, reposicionando a discussão outrora deslocada no cotidiano social.
Uma lição para o desprezível deputado Jair Bolsonaro, que lá atrás cuspiu no busto de Rubens Paiva no Congresso Nacional, jamais imaginando que seria justamente uma obra acerca do martírio de Paiva que daria o troco na tentativa imoral de apagamento histórico dos episódios horrendos do dia a dia da ditadura.
Na esteira do sucesso do filme, a vereadora Adriana Almeida (PT) já apresentou projeto de lei para incluir o livro que inspirou a película, do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado assassinado, no acervo das escolas de Fortaleza. A iniciativa precisa ser multiplicada em todo o Brasil.
Em dezembro passado, o ministro Flávio Dino, do STF, inovou ao decidir que a anistia não se aplica a crimes permanentes, como ocultação de cadáveres (caso de Rubens Paiva), assunto que será brevemente definido no Plenário da Corte. A dias de hoje, a matéria encontra perspectiva favorável, com o exponencial apoio da sociedade civil. Desde 1979, nunca se esteve tão perto da possibilidade real de criminalizar agentes da ditadura.
Na Comissão de Anistia, com a experiência e o dinamismo da nova presidenta Ana Oliveira a luta pelo fim da impunidade de algozes do período militar ganhará envergadura, suplantando-se uma omissão indigesta com a verdade que deve perdurar.