Há exatamente duas semanas, a vida mudou. Deixou de ser a rotina de trabalho/filhos/vida e se transformou no modo automático de boletim médico, medo e coragem. Tudo junto, misturado e sem nenhum aviso do que virá pela frente.
Quando você faz terapia, aprende que a vida simplesmente acontece. O bom, o ruim e o péssimo acontecerão. E você vai desfrutar e enfrentar como lhe for apresentado.
E a vida tem seus marcos de felicidade e sofrimento. Pra todo todo mundo. Ritos de nascimento, uniões, comemorações, encontros, desafios, doenças, problemas, tragédias.
É quando o peito aperta de forma grave, mas sem nenhum sintoma clínico. Quando a adrenalina te faz ser capaz do jamais imaginado. Quando você amadurece numa levada só de sensações e descobertas. Mas são nesses momento que é possível aprender mais sobre a vida e as pessoas.
Acompanho minha mãe em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e aprendo mais a cada dia. Primeiro aprendizado: família é o que há de mais importante. Aprendi que a mínima sensação de não ter minha mãe é assombrosa e profundamente solitária. Aprendi que amigos dizem "conte comigo para o que precisar", mas que às vezes você pode precisar e ele não te ajudar porque "é a hora do treino".
Nas conversas e questionamentos sobre o estado de saúde dela, aprendi que o ego impede que a maturidade faça médicos ouvirem além da propria voz. Constatei, mais uma vez, que mulheres são as que tomam a frente, fazem sacrifícios, seguram a onda. Enquanto os homens ainda vão ver do que são capazes.
Na peleja da dinamica hospitalar, briguei por leito, pedi explicações, ponderei, recuei, exigi. Respirei, tentei de novo, agradeci, abracei. Passei a entender mais sobre saturação, medicamentos, conduta clínica, infecção, pneumonia… quando eu só queria o colo da minha mãe.
Em meio ao desepero, tive certeza que Deus existe, embora nossa relação esteja sempre em construção. No meio do caos, não consegui rezar tanto como os outros. Mas também aprendi que fé é diversa e muito individual. E que junto a ela, há o que se compartilha ao longo da vida e que volta em forma de ajuda, paciência, carinho, atenção.
Fazer o bem e recebê-lo de volta também significa ter fé e nutrir as esperanças. Por dias melhores, menos angústia, mais sorrisos. No meio da UTI tumultuada, onde o fluxo de trabalho dos profissionais não traduz a delicadeza da vida e da morte, aprendi que milhares de pessoas já passaram pelo que eu passo. E outras milhares passarão.
Eu já senti o pavor da perda algumas vezes na vida. Aos quatro meses, meu filho mais velho passou 10 dias internado por causa de convulsões sem explicação. Aos 38 anos, meu ex-marido infartou. A dinâmica de hospital e medo era parecida. Com uma gigante diferença: minha mãe estava ao meu lado, me ajudando a encarar e resolver o que fosse preciso.
Agora, sou eu, a protegendo, acalentando, cuidando, segurando toda a barra. Como ela sempre ensinou a fazer. Ela me criou para ser capaz de suportar e seguir. Assim está sendo, mãe, e continuara quando você voltar pra casa. n