O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, na semana passada, o mapa-múndi oficial em uma versão invertida – “de cabeça para baixo”, disponível em: <https://surl.li/msauuk>. Mas por que o mundo está ao contrário e ninguém reparou? Vamos à resposta para a pergunta de Nando Reis.
Tive o privilégio e a honra de ter sido aluno do professor Horacio Capel Sáez no mestrado em Planificação Territorial e Desenvolvimento Regional da Universidade de Barcelona. Geógrafo e ganhador do Prêmio Vautrin Lud (considerado o Nobel da Geografia), o professor Sáez ensinava, com base na ciência e na cartografia, que, desde o século 15, o mundo vem sendo mapeado a partir de diferentes perspectivas.
A mais usual é a visão eurocentrista – a chamada Projeção Cilíndrica de Mercator. Essa projeção foi elaborada pelo geógrafo, cartógrafo e matemático holandês Gerhard Mercator (1512–1594), inspirado pelo astrônomo e geógrafo Ptolomeu (100 –168). Vale lembrar que a tese ptolomaica, segundo a qual a Terra ocupava o centro do universo, foi aceita por 14 séculos até ser desmentida pelas teorias de Copérnico e Galileu.
A cartografia de Mercator foi a primeira representação cartográfica de toda a superfície terrestre. Nessa projeção, os meridianos são planificados na forma de linhas verticais retas, paralelas e equidistantes horizontalmente.
Já a Projeção de Gall-Peters, conhecida como cilíndrica e equivalente, oferece uma alternativa à de Mercator. Nela, as retas perpendiculares aos paralelos e as linhas meridianas apresentam intervalos menores, resultando em uma representação mais fiel das áreas dos continentes. O mapa recebeu esse nome em homenagem a James Gall, escocês aficionado por astronomia que o desenhou pela primeira vez em 1855, e ao historiador alemão Arno Peters, que difundiu suas ideias na década de 1970. Essa projeção prioriza a proporção entre as áreas, e não a forma dos continentes.
No mundo anglo-saxão, os mapas-múndi produzidos na Austrália são os mais conhecidos entre aqueles que adotam a perspectiva “de baixo para cima”, os chamados “de cabeça para baixo” (upside-down). Além da Austrália, países como Japão e Nova Zelândia também fazem mapas nos quais seus territórios aparecem centralizados, como forma de legitimar seu posicionamento político.
Importa mencionar que o primeiro mapa “de cabeça para baixo” foi obra do australiano Stuart McArthur, que, aos 12 anos, desenhou o mapa “com o sul para cima”, apresentando-o, posteriormente, na Universidade de Melbourne.
A plataforma The True Size (https://thetruesize.com), de forma interativa, contribui para combater o analfabetismo geográfico ao permitir comparações proporcionais entre os países, sem anular a representação planificada.
Nosso geógrafo maior, Milton Santos — também laureado com o Prêmio Vautrin Lud — costumava afirmar: “O centro do mundo está em todo lugar, e cada lugar é o mundo à sua maneira”.
Um exemplo curioso vem dos quadrinhos. Mafalda, personagem criada pelo cartunista argentino Quino, ironiza a disposição tradicional dos mapas, nos quais o Norte aparece “em cima” e o Sul é mantido “embaixo”.
Em conclusão, aprendamos com Mílton Santos e Mafalda que, em cartografia, não existe “para cima” ou “para baixo”, mas apenas Norte e Sul. Em segundo lugar, é importante destacar o caráter ideológico das ciências que construíram uma visão de mundo centrada no Norte, região que hoje abriga a maior parte dos países desenvolvidos.