A promulgação da Lei 15.134/25, que altera o Código Penal para tornar qualificado o homicídio de juízes, promotores e advogados públicos, expõe uma distorção inaceitável. Ao excluir os advogados privados, o Estado envia uma mensagem perversa, afirmando que algumas vidas valem mais do que outras.
A advocacia privada, embora reconhecida pela Constituição como essencial à administração da Justiça, foi ignorada na proteção conferida. A função do advogado privado, embora exercida em caráter não estatal, também possui natureza pública, o conhecido exercício do múnus público, de modo que é incongruente qualquer diferenciação entre esses profissionais e os abrangidos pela lei. O vínculo funcional com o Estado não pode justificar a desigualdade na tutela penal de profissionais que exercem, com riscos reais, papel fundamental na defesa dos direitos.
E o perigo é concreto. Na semana passada, dois advogados cearenses foram alvos de atentados. Um deles, conselheiro estadual da OAB, não resistiu aos disparos. Eram profissionais no exercício da função, enfrentando interesses obscuros, exatamente como fazem juízes e promotores. Como justificar que suas vidas não recebam a mesma proteção legal?
Advogar é enfrentar o crime organizado, milícias, abusos do poder e interesses econômicos poderosos. O risco é diário, seja no serviço público, seja na advocacia privada. A omissão da lei não é apenas técnica, é um golpe simbólico na dignidade de milhares de profissionais que sustentam o Estado Democrático de Direito.
Conforme dispõe o artigo 6º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, impondo-se a todos o dever de respeito recíproco. Se o ordenamento jurídico reconhece essa paridade entre advogados e demais agentes essenciais à Justiça, é ainda mais ilógico admitir qualquer forma de hierarquização interna entre os próprios advogados, como se uns merecessem maior proteção penal que outros. Se a função é igualmente essencial, a proteção jurídica deve ser igualmente garantida.
A advocacia não pede privilégios, exige igualdade. A vida de quem defende a Justiça com coragem, preparo e compromisso deve ser protegida, não hierarquizada.
Ao reconhecer o risco de alguns e ignorar o de outros, a Lei 15.134/25 cria uma cidadania penal seletiva. Corrigir essa falha é urgente. Enquanto essa dicotomia jurídica persistir, o Brasil passará à sociedade a mensagem de que, até na morte, há profissionais que valem menos que outros.