Crise após crise, a cobertura política tem ajudado a consolidar a imagem de Lula III como a de um governo com baixa popularidade e pouco fôlego para responder aos desafios imediatos da conjuntura. E mesmo sem elementos que o vinculem diretamente ao butim, o cenário tende a piorar com a descoberta do abjeto assalto aos aposentados do INSS.
Não há como negar que as dificuldades do governo são muitas e o tempo, escasso para superá-las. Diante desse quadro, trago outro ângulo ao debate, arriscando como hipótese que, ciente do sinal dos tempos, Lula III tem optado por disputar as estruturas mais do que responder à conjuntura. Sobre o terreno incerto dos desafios estruturais, escolheu suas batalhas e arrisca suas agendas.
O primeiro desafio decorre das transformações no mundo do trabalho. Forjado em um sindicalismo pretérito, Lula III se move sobre um terreno de informalidades e precarizações que terminam por enfraquecer as instituições de mediação da conflituosidade econômica, configurando um vazio político ocupado pela floração de subjetividades ocas, personificadas, entre outras, na figura etérea do cidadão-empreendedor.
O segundo diz respeito à plataformização da vida. Avançando sem regulamentação, a lógica dos algoritmos e da vigilância de dados transformou a circulação de informações em um modelo de negócio lucrativo, contaminando a esfera pública e alimentando visões de mundo desancoradas da realidade.
O terceiro responde pela recessão democrática em escala planetária. Não por acaso, Lula tem buscado, internacionalmente, a articulação de uma frente em defesa da democracia, envolvendo sócios igualmente emparedados. Internamente, enfrenta o desafio de superar a sempre viva tradição golpista brasileira.
Olhados por esse ângulo, os impasses de Lula III são do governo, mas também de toda a sociedade. Mais do que tropeços conjunturais, refletem a gravidade da hora. Vistos desde a estrutura, tais desafios só podem ser superados com a difícil ativação de circuitos políticos que reconectem imaginação democrática e engajamento social - desafio que, certamente, passa pelo governo, mas vai muito além dele.