Tenha a certeza de que está ficando velho quando começar a ouvir dos seus filhos, com certa recorrência, a seguinte frase: “De novo a mesma história!”. Nessas ocasiões, em geral, sua companheira corrobora: “Mais uma vez a mesma lenga-lenga!”. Tenha calma, pois essas serão apenas as primeiras restrições impostas aos velhos com o manto da convivência, temperada pela indelicadeza, a ironia e o mau humor.
No meu caso, lembro que, quando criança, às vezes dizia para mamãe, em tom de aborrecimento, que papai repetia muito algumas histórias. Ela logo o defendia, ressaltando que ele costumava acrescentar algo novo ao narrar aquelas que pareciam as mesmas histórias. De modo carinhoso, ela o transportava da simples categoria de chato para a de eterno fabulador criativo.
Com o passar dos anos, toda gente acumula experiências, vivencia uma gama variada de sentimentos, conhece pessoas que julga importantes e testemunha fatos sociais e históricos. Alguns desses fatos, quer sejam mais ligados ao âmbito privado ou ao âmbito da coletividade, são considerados relevantes. Então, quando se está velho, parece-me natural o desejo de contar e recontar as situações que marcaram a própria vida.
Mas por que isso acontece? Talvez porque, ao relatar uma experiência, podemos percebê-la com outras lentes e absorvê-la melhor; podemos sentir prazer ao realizar o trabalho da memória que é também um trabalho de criatividade; podemos revisitar como forasteiros aqueles jovens que fomos um dia; podemos, enfim, reviver.
A verdade é que poucos têm paciência de ouvir as histórias dos velhos. O atual modelo de sociedade, que explora o trabalho, visa o lucro e o consumo, enxerga o velho como quem deu o que tinha que dar. Resta o interesse nos proventos de sua aposentadoria. E, assim, culturalmente, a família vai descartando o idoso ao intimá-lo ao silêncio, jogando-o para a solidão, sua primeira morte.
Se a fabulação, como dizia o sociólogo e crítico literário Antonio Candido, é necessidade universal, então todos precisam, em alguma medida, de um causo, uma piada ou um poema, como uma tática de sobrevivência.