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Entre os bebês reborn e os de Gaza
Opinião

Entre os bebês reborn e os de Gaza

Os bebês reborn tomaram conta das conversas, das mídias, até do Congresso. No entanto, uma lupa sobre o fenômeno deixa ver um padrão que escala e revela novas subjetividades humanas imersas numa dissonância entre os humanos e uma extrema solidão
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Claro que domingo, conversamos durante o almoço sobre os bebês reborns. E eu até comentei que não sabia onde estava que não percebi a invasão desses seres que, agora, parecem estar em todos os lugares, como a neve mortal da série Eternautas. Os jovens à mesa relataram que o feed deles só tem bebê reborn e Virgínia a influencer ricaça dos bets. Meu filho lembrou que quando criança ouvia falar dos Tamagotchi criaturas virtuais que precisavam ser alimentadas e acarinhadas.

Só percebi que a coisa era um pouco mais séria quando li uma reportagem gigante no qual psiquiatras, psicanalistas, como Christian Dunker, e psicólogos tentavam explicar o que havia de normal e patológico quando pessoas adultas, principalmente mulheres, decidiam tornar bonecos de silicone realistas em crianças de verdade a ferro e fogo, a ponto de confundirem profissionais do SUS e incomodaram a Justiça com brigas pela guarda compartilhada de inanimados.

Na verdade, ser saudável na época em que estamos é uma tarefa muito difícil. Tentar entender o nível de sofrimento humano que envolve esse tipo de manifestação, na verdade, é observar a escalada de tendências que há anos estão aí. Quem nunca ouviu falar em bonecas sexuais e em brinquedos humanoides para aplacar a solidão? Quem não está acompanhando a tendência de criar perfis amorosos por meio de inteligências artificiais que simulam humanos? Outro dia, li uma reportagem que sites de namoro e relacionamentos sexuais estão investindo pesado em IAs com a pegada crie você mesmo um personagem e se relacione, inclusive sexualmente.

Diante de tudo isso, os bebês reborn parecem detalhes diante da dissonância que vivenciamos entre humanos. A sensação que eu tenho é que essas coisas nos desviam do que é essencial. Por exemplo, enquanto escrevo este artigo, 14 mil bebês poderão morrer em Gaza até amanhã, quinta-feira, 22 de maio por desnutrição e doenças devido a uma guerra insana que se arrasta há mais de um ano e que já devastou o território onde habitavam cerca de 2,2 milhões de vidas palestinas. Na Ucrânia e na Rússia, bebês estão ficando órfãos. Em Fortaleza, há bebês à espera de adoção.

O sofrimento das mães dos bebês reborns é real e inalcançável, mas ele não é isolado. Há um sofrimento humano que transborda a olhos vistos na contemporaneidade, uma solidão viral que está mudando o comportamento das pessoas e criando novas formas de subjetividades de forma rápida e consistente. O desencanto do mundo mediado pela tecnologia em excesso, o amor e o apego demasiados por seres irreais, as simulações humanas como padrão, a indiferença com a realidade, tudo isso parece nos falar que algo muito estranho está acontecendo e envolve os bebês reborn, as crianças de Gaza e uma extrema solidão humana.

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