No último dia 13 assisti a uma bela solenidade no Tribunal Regional Eleitoral, momento em que foram outorgadas as medalhas Paulo Bonavides e Patativa do Assaré a personalidades gradas do mundo jurídico e cultural do nosso estado. Entre as homenagens, todas mais que merecidas, uma houve que me tocou especialmente. A mim, um nostálgico irrecuperável. Foi a que se prestou ao advogado, ex-presidente da seção cearense da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-integrante daquela Corte Eleitoral, na condição de jurista, Raimundo Bezerra falcão, meu professor na hoje já centenária Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
Vieram-me as inevitáveis recordações daquela segunda metade dos anos 1980, período em que, jovem e sonhador, convencido de que mudaria o mundo, frequentei a velha e tradicional escola, por cujos bancos passaram, ao longo dos tempos, algumas das maiores expressões da vida jurídica e política do estado.
Professor de gerações, homem cuja inteligência, elegância e cavalheirismo sempre foram a marca de sua distinção, o mestre Falcão, mestre na mais pura essência da palavra, não deixou escapar a oportunidade. Pede a palavra e ministra aos presentes - o que só aumentou as minhas saudades de estudante, mais uma de suas aulas. Com voz serena e discurso bem articulado, fez ele uma verdadeira ode à democracia e à soberania da vontade popular. Erudito como poucos, rememorando os tempos em que assessorou a Assembleia Nacional Constituinte, invocou Catão, o célebre político romano, para quem "antes a lei, nunca os arrepios dos governos", para mais adiante sentenciar de própria lavra que "Lá na frente. Dos fatos presentes ou passados esteja sempre longe das conveniências e atalhos dos poderosos e nem sempre dispostos a aceitar o que as urnas mandarem como aviso. O fato é que só a vontade do povo deve prevalecer".
Ao final, dirigi-me a ele, para, com a timidez e reverência próprias de um sempre aluno perante o mestre inexcedível, cumprimentá-lo pelo brilho e candência de sua fala. Olhou-me fixamente nos olhos e, na lucidez de seus 82 anos de idade, disse, para minha perplexidade: "Hélio, meu caro, você foi meu aluno na disciplina Filosofia do Direito, não foi ?. As aulas eram às sextas-feiras, noite, segundo horário". Não é que o homem lembrou? E olhem que eu como aluno não era lá grandes coisas, nada que pudesse chamar a atenção ou fosse digno de gravar na memória. Respondi, ainda meio surpreso: Verdade, professor, e o senhor me obrigou então a ler "Lições de Filosofia do Direito", de Giorgio Del Vecchio, um cartapácio, de cabo a rabo, aos 20 anos de idade. Uma experiência difícil e inesquecível".
Demos boas risadas.