Li recentemente o livro Igualdade, que é basicamente a reprodução de um instigante diálogo entre o economista francês Thomas Piketty e o filósofo americano Michael Sandel. O livro reconhece os avanços ao longo da história da humanidade, tanto na ampliação do acesso a bens e serviços, quanto nos direitos de participação política, mas aponta os imensos abismos ainda existentes.Ao longo da leitura, lembrei de uma reflexão cortante de Adam Smith, em A Riqueza das Nações: "Tudo só para nós e nada para outras pessoas parece ser, em qualquer época do mundo, a máxima vil dos que dominam a humanidade."
Não é uma frase de um panfleto revolucionário, mas de um pensador que fundou as bases do liberalismo econômico. E, no entanto, apesar dos progressos em várias áreas, a denúncia, como ressaltam Piketty e Sandel, ainda ecoa com força no mundo de hoje.
A desigualdade não é apenas uma estatística incômoda: é uma ameaça concreta à coesão social, à democracia e à esperança. Vivemos em um tempo em que poucos acumulam cifras quase incompreensíveis, enquanto muitos lutam por dignidade básica. E o mais inquietante: essa realidade é muitas vezes justificada por narrativas que glorificam o mérito, ignorando as desigualdades de partida e a força das circunstâncias. Em um mundo em que ainda vale a máxima de socialização de prejuízos e apropriação privada de lucros.
A obra de Piketty mostra que a concentração de riqueza não é um acidente, mas um padrão recorrente do capitalismo quando não há correções institucionais. Sandel acrescenta que não basta distribuir renda - é preciso restaurar o sentido de bem comum. A desigualdade corrói a confiança entre as pessoas, alimenta ressentimentos e deslegitima as instituições.
Não se trata de igualar por baixo, mas de criar condições reais para que todos possam desenvolver seus talentos. Isso exige escolhas corajosas: um sistema tributário realmente progressivo, educação pública de muito mais qualidade, serviços universais e políticas que transcendam interesses corporativos.
Promover a igualdade não é punir o sucesso, mas impedir que a "máxima vil" siga moldando o destino de milhões. É fazer da liberdade uma realidade compartilhada - e não um privilégio hereditário.