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Os jovens não querem trabalhar?
Opinião

Os jovens não querem trabalhar?

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Se você é jovem, provavelmente já ouviu a seguinte frase: "os jovens de hoje não querem trabalhar", ou "os jovens de hoje são sensíveis demais. No meu tempo não tinha isso". Esse etarismo disfarçado de sabedoria e sermão, na verdade, nos mostra o quão tem sido desafiador ser jovem numa sociedade que não respeita nossas escolhas e limites. A maioria dos jovens negros e periféricos como eu, começaram a trabalhar desde cedo. Viemos de um contexto de vulnerabilidade social, enfrentado a falta de direitos básicos e a violência. Tivemos que ser criativos e batalhadores para sobreviver. Amadurecemos de forma precoce, não tendo nossa infância e adolescência protegida de forma integral. Crescemos vendo nossos pais, sobretudo, mães negras, trabalhando de domingo a domingo. Vivendo uma sobrecarga com pouco ou nenhum aproveitamento da vida pessoal.

Com tranquilidade, afirmo que nossa geração quer sim trabalhar. Mas não em formatos ultrapassados que mais se assimilam à escravidão do que ao avanço e liberdade. Com as lutas do movimento negro, tivemos a implementação das políticas afirmativas. Apesar do pouco tempo de execução - menos de duas décadas -, é preciso estarmos atentos aos seus primeiros resultados positivos na promoção da igualdade racial. Através das cotas, muitas pessoas negras e pobres puderam ingressar no Ensino Superior. Esse acesso nos faz desenvolvermos habilidades que precisam ser valorizadas e reconhecidas pelas empresas e por nós mesmos, enquanto sociedade. O mercado está acostumado a ver nossos corpos como mercadoria barata, fruto de um pensamento racista e colonial que vem se atualizando dia após dia. Me pergunto: a quem interessa essa narrativa de "preguiça" das juventudes? Acredito que nossas escolhas têm sido fundamentais para denunciar a ruína de um sistema falido de exploração das pessoas. Não somos trabalhadores. Somos pessoas que trabalham. A nossa vida, saúde e conforto não podem estar em segundo plano. A empresa fica. Mas nossa vida passa. n

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