Enquanto a zona do Euro vive o 3º ciclo de regulação do Video On Demand (VOD), no Brasil o setor segue desregulado, muito por lobby da Motion Picture Association (MPA) no Congresso. Plataformas globais como Netflix, WBD e Disney economizam milhões surfando na não-regulação, enquanto todos os agentes do audiovisual brasileiro são regulados e recolhem Condecine (Contribuição para Desenvolvimento da Indústria Nacional do Audiovisual).
Na França e Itália, países com cinematografia pujante e reconhecida, a contribuição das plataformas globais chega a 25% do faturamento. Nos demais países europeus, de cinematografias mais débeis, é de 6% para baixo. O protecionista Donald Trump já declarou que os EUA vão retaliar países que taxarem suas plataformas. E a MPA parece ter conseguido plantar esse temor nos grandes produtores e congressistas brasileiros.
O Conselho Superior de Cinema avalia que a Condecine VOD deveria ser de no mínimo 12%. Mas grandes produtores brasileiros, prestadores de serviços aos "originais" de plataformas globais, enviaram carta a artistas que promoviam campanha pelos 12%. Alegam na carta que pedir mais de 6% seria negativo, pois travaria a regulação do streaming no Congresso. Há dois projetos tramitando: um da Câmara, relatado pelo deputado André Figueiredo (PDT/CE); e um do Senado, pela deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), que juntou elementos dos dois em sua última versão. Ambos propõem contribuição de 6%.
O que dá vontade de rir para não chorar é: embora fique clara a boa vontade dos parlamentares, nenhum PL retoma avanços da Lei 12.485/2011, que tornou obrigatória a distribuição de pelo menos dois canais "super brasileiros" (exibem ao menos 12 horas/dia de produções brasileiras independentes). Quatro canais superbrasileiros exibiram metade da produção independente nacional de 2015 a 2023. Suas audiências somam 6 milhões de horas/mês, o equivalente a 7,2 milhões sessões de cinema por mês.
O PL mais avançado, relatado por Jandira, obriga fabricantes de TVs conectadas a carregarem canais super brasileiros, mas não cria essa obrigação a provedores de canais via Internet (Claro TV+, Vivo Play App, DirecTV Go...). Isso descontinua os avanços da 12.485 pois operadores de TV paga (Claro, SKY, Vivo, Alares...) estão migrando para a Internet, com menos impostos e sem obrigações.
Nenhum dos PLs considera as dezenas de catálogos de VOD no mercado, constituídos majoritariamente por produções nacionais independentes. Esses catálogos mereceriam, na Internet, tratamento similar aos canais super brasileiros da TV Paga. Deveriam figurar em condições comerciais equânimes aos internacionais em distribuidores como Amazon Channels, Watch TV, UolPlay. Do jeito que está, só plataformas globais decidirão o que os brasileiros irão assistir.