Há 10 anos decidi morar no Centro e, desde então, tenho observado Fortaleza a partir desse bairro tão simbólico – e complexo. Após pouco mais de 20 anos de migração pendular entre Caucaia e a Capital, escolhi o “coração da cidade” como casa. Da janela, o Santuário Sagrado Coração de Jesus. Num raio próximo, aproveito toda uma diversidade de comércios e de equipamentos culturais.
Esse recorte temporal coincide com a reabertura de um vizinho luxuoso que tenho, o Cineteatro São Luiz. Espaço da Rede Pública de Equipamentos da Secretaria da Cultura do Ceará (RECE), o centro cultural gerido em parceria com o Instituto Dragão do Mar habita meu imaginário desde a infância.
Lá esperei numa fila sem fim para conseguir assistir ao filme “Homem Aranha”, em 2002 – e não consegui, tamanha a lotação. Foi lá também que, enquanto repórter do Vida&Arte, fiz uma pauta bem especial em 2014: passei uma tarde aprendendo sobre restauração com a equipe responsável pela obra do prédio público. Assim como muitos fortalezenses, guardo bonitas memórias desse monumento de 1958.
Desde que abriu novamente as portas para o público, o Cineteatro tem cumprido um papel fundamental de formação de plateias – não só para o cinema, mas para as artes cênicas, a música e tantas outras manifestações. Sou frequentador assíduo e, por lá, já acompanhei festivais de audiovisual, orquestras, grandes shows, espetáculos teatrais, mostras de dança e muitos momentos de extrema conexão com a cultura.
Como morador do Centro, porém, não consigo fechar os olhos para as questões de segurança pública e habitação que dialogam diretamente com o São Luiz. Ouvi de um amigo – cujo carro foi furtado em rua próxima enquanto via uma peça de teatro – que não voltaria mais ao Cineteatro. Escutei também, de uma ex-aluna, que ela se sentia incomodada com “muito mendigo na porta” após ser importunada na saída de um show e preferia não frequentar mais. Tristes relatos.
Não dá para fugir: todo equipamento em região central lida com o dilema do esvaziamento noturno. Por isso, construir plateia é um desafio tão custoso – o Teatro Carlos Câmara que o diga. Sobre a presença de pessoas em situação de rua na Praça do Ferreira, é uma ferida aberta na costura urbana da nossa cidade. Famílias inteiras vivem nos bancos e calçadas e são, muitas vezes, reféns de situações cuja resolução está longe de despontar.
No cruzamento de tantos desafios, um equipamento riquíssimo segue de portas abertas com uma programação plural, uma curadoria refinada e um diálogo franco com a cidade. Fortaleza vem ganhando muito, ao longo dos últimos dez anos, com esse espaço que reflete tão bem a força simbólica da cultura. Eu, como vizinho, sigo atento a todos os problemas do entorno, mas consciente de que o Cineteatro São Luiz se traduz bem como o palco do “coração” de Fortaleza.