"Vocês estão cansadas porque querem, porque escolheram liderar". A frase é de um homem, um irmão, que falava às irmãs que cuidam da mãe adoentada. Ao ser confrontado por não ajudar nos plantões, o filho alegou que o cansaço dessas duas mulheres é uma escolha, disse que precisa trabalhar, estar junto da própria família e manter a sanidade mental. Só o alecriam dourado que precisa, né?
Na fala não há resquício de culpa, remorso, noção de igualdade ou de responsabilidade. Apenas a falsa retórica de que homens são mais ocupados do que as mulheres, têm mais obrigações e precisam estar em melhor condição. Tudo, porém, não é pautado pela realidade, mas pela ideia machista e egoísta que faz com que muitos homens achem que precisam se dedicar a papeis mais importantes do que trocar fralda, monitorar sinais vitais e solucionar problemas cotidianos.
Essa negação masculina com os cuidados de idosos e crianças é algo que o Brasil já tem exposto, inclusive, em números do IBGE: mulheres sem ocupação fora do domicílio dedicam o dobro de horas semanais aos cuidados com pessoas comparado aos homens sem ocupação. Quando a categoria é homem e mulher ocupados, que trabalham fora, essa diferença é 8x maior.
O que a estatística crava, as cenas em postos de saúde e unidades hospitalares confirmam. Quem mais leva crianças doentes às consultas? Quem mais sabe sobre calendários vacinais? Quem conhece mais sobre os remédios, as alergias, os históricos de saúde dos familiares? Quem é que, na hora de uma internação, se encolhe numa poltrona e acompanha a rotina hospitalar de um parente doente?
Mulheres. Os homens até entram em ação para querer orientar, mostrar caminhos, trazer soluções, mas no fim das contas, em muitos casos, acabam é dificultando mais os processos.
O homem-irmão citado aqui ainda justificou que a "escolha" pelo cansaço deriva do ímpeto de liderança demonstrado nos momentos de mais dificuldade enfrentados pela família. Ele se nega a compreender que tal posição dianteira é apenas consequência de funções já exercidas no cotidiano de consultas, exames, rotinas e cuidados dos pais septagenários.
Não se escolhe precisar meter as caras sozinha, decidir, gastar, desagradar, fazer, não dormir, limpar, planejar, chorar, reagir, fazer de novo… a grande maioria das mulheres não escolhe ter todos esses papeis com seus familiares. Elas simplesmente são colocadas para fazer, seja pela sociedade, pela família ou pela necessidade.
Quantas vezes já escutei, nos últimos meses, que deverei conquistar minhas futuras noras. Como só tenho filhos homens, dizem que eu precisarei ter quem queira cuidar de mim na velhice. Já constatando que meus filhos não o farão. Ouvi isso diversas vezes, de diferentes pessoas. Há uma normalização dessa realidade desigual entre homens e mulheres e os cuidados familiares. Isso é repassado pelas gerações sem que ninguém pense nas consequências e injustiças.
Meio sem jeito, apreensiva pelo abandono futuro dado quase como certo e chocada por tamanho conformismo com o absurdo, só consigo dizer que eles podem nem casar ou casar com outros homens.
Por dentro, estou corroída com a constatação de como o egoísmo de alguns homens é cruel e ingrato. E de como precisamos gritar para que isso não os faça continuar fugindo do que é necessário. Enquanto as mulheres tomam de conta.
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