A teoria do Direito Penal do Inimigo, desenvolvida pelo jurista alemão Günther Jakobs, propõe uma distinção entre os cidadãos comuns, que são titulares de direitos e garantias, e os chamados inimigos, indivíduos que, por sua suposta periculosidade, seriam excluídos do ordenamento jurídico ordinário e tratados como ameaças a serem neutralizadas. Trata-se de uma visão que rompe com os princípios clássicos do Direito Penal liberal, que se baseia na dignidade da pessoa humana, na individualização da pena e na estrita legalidade. Ainda que tal concepção encontre defensores em contextos excepcionais, sua adoção como prática cotidiana representa um sério risco à ordem constitucional.
No cenário brasileiro recente, especialmente no contexto dos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, observa-se com preocupação a aproximação de certas decisões judiciais com os pressupostos dessa teoria. Isso pode ser identificado em prisões preventivas mantidas por longos períodos sem fundamentação concreta, na dificuldade de acesso à defesa técnica por parte dos acusados e na aplicação genérica de tipos penais complexos, como o de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito. Essas medidas, embora motivadas pela gravidade dos atos investigados, não podem se afastar das garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
É necessário reconhecer que atentados à democracia exigem resposta firme e responsável por parte das instituições. No entanto, essa resposta precisa respeitar os marcos legais e não pode ser pautada por critérios políticos, ideológicos ou pela pressão da opinião pública. Quando o Estado passa a tratar opositores radicais não como cidadãos sujeitos à lei, mas como inimigos a serem eliminados juridicamente, abre-se um precedente perigoso para a erosão da democracia.
A individualização da conduta, a proporcionalidade da resposta penal e a imparcialidade dos julgamentos são exigências jurídicas e éticas que conferem legitimidade à atuação do sistema de justiça. Generalizações, acusações baseadas em símbolos políticos e decisões motivadas pelo clamor popular fragilizam o Estado de Direito. A justiça não pode ser guiada pela lógica da vingança, mesmo diante de atos que causem profunda repulsa social. O verdadeiro teste de uma democracia está na forma como trata aqueles que são acusados de atentar contra ela.
A preservação das instituições democráticas deve ser conduzida com absoluto respeito à legalidade e aos direitos fundamentais. Quando o Estado escolhe quem merece ou não ter garantias com base em posicionamentos políticos, está não apenas julgando crimes, mas também restringindo a cidadania de forma seletiva e preocupante.
O Poder Judiciário brasileiro, como guardião da Constituição, desempenha um papel central nesse equilíbrio delicado. Sua atuação precisa ser firme, mas sempre guiada pelos princípios republicanos que asseguram proteção contra abusos a todos os cidadãos. Em tempos de crise, é ainda mais necessário reafirmar que o Estado de Direito não pode ser sacrificado em nome da ordem, pois é justamente ele que torna essa ordem legítima.