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Maria Renata Soares: Pode uma mulher falar?
Opinião

Maria Renata Soares: Pode uma mulher falar?

A mulher que fala, que questiona, que não se submete ao outro, incomoda. E o que faremos? Seguiremos falando.
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Maria Renata Soares. Jornalista e mestra em Linguística Aplicada  pela UECE. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Maria Renata Soares. Jornalista e mestra em Linguística Aplicada pela UECE.

A teórica indiana Gayatri Spivak questionava, nos anos 1980, se o subalterno podia falar. No livro que marcou os estudos sobre colonialidade, ao abordar o silenciamento e apagamento de vozes subalternas, em um contexto da relação entre imperialismo/países em desenvolvimento, capital/trabalho, e como a mulher se insere nas disputas discursivas.

A repercussão à fala da primeira-dama Janja Lula da Silva, durante reunião oficial entre os governos brasileiro e chinês, fizeram a pergunta de Spivak ressoar na minha mente e refletir sobre o incômodo que causa uma mulher que foge ao script imposto a ela.

Se for primeira-dama, então, as imposições se sobrepõem e geram opressão de todos os lados, da direita e da esquerda, e a expectativa nunca será alcançada. Não faz muito tempo, as críticas recaíram sobre a bela, recatada e do lar, figura considerada decorativa e que nem mesmo assim passou ilesa.

Janja é o oposto, militante histórica desde as Diretas Já, socióloga, com mais conhecimento sobre a realidade brasileira do que muitos em Brasília. No entanto, muitas vezes em que se manifestou publicamente foi massacrada, a mais recente quando abordou a questão das redes sociais durante a reunião entre Brasil e China.

Um dos discursos que circula na imprensa é o de que Janja não deve se pronunciar, pois não ocupa cargo púbico, como se essa condição fosse imprescindível para legitimar a fala de alguém. Saindo do universo do primeiro-damismo, não custa lembrar os memes e outras formas de desqualificar falas de Dilma Rousseff quando era a presidenta do País, a primeira mulher a ocupar o cargo. 

Spivac é pessimista. Para ela, se no contexto da produção colonial o sujeito subalterno não tem história e não pode falar, o sujeito subalterno feminino está ainda mais profundamente na obscuridade. Muita coisa mudou, avançamos em leis, ocupamos espaços, mas a estrutura patriarcal e machista ainda prevalece e as tentativas de silenciamento são constantes, desde querer falar por nós ao silenciamento cruel dos feminicídios.

A mulher que fala, que questiona, que não se submete ao outro, incomoda. E o que faremos? Seguiremos falando.

 

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