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Américo Souza: Ensino Superior na era da IA Generativa, desafios e perspectivas
Opinião

Américo Souza: Ensino Superior na era da IA Generativa, desafios e perspectivas

Pelos preocupantes relatos de estudantes e docentes a introdução da IAG no ambiente educacional representa mais do que um desafio tecnológico, é uma crise existencial para a educação superior
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Américo Souza, historiador, professor da Unilab (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Américo Souza, historiador, professor da Unilab

Em 7 de maio a New York Magazine publicou a matéria "Everyone Is Cheating Their Way Through College" (Todos Estão Trapaceando na Faculdade), que trata do uso crescente de ferramentas de Inteligência Artificial Generativa (IAG), por estudantes universitários para realizar tarefas acadêmicas, pondo foco em uma situação complexa e grave.

Nos últimos dois anos venho conduzindo um estudo sobre os usos de IAG na universidade em que trabalho. Os relatos coletados junto a estudantes e docentes são preocupantes e revelam que a introdução da IAG no ambiente educacional representa mais do que um desafio tecnológico, é uma crise existencial para a educação superior.

A IAG deixou de ser curiosidade de laboratório: hoje permeia tarefas acadêmicas do rascunho aos referenciais. Sua adoção impensada, sem regras ou medida ética, põe em xeque aquilo que define o ensino superior: excelência reflexiva, honestidade intelectual e espírito crítico. A cada semestre multiplicam-se trabalhos acadêmicos com citações inexistentes, raciocínios que colapsam diante de perguntas simples e, sobretudo, a fragilização do compromisso ético.

Relatório da Unesco de abril de 25 mostra que, no mundo, apenas 10% dos sistemas educacionais têm políticas claras para uso de IAG. O resultado é kafkiano: em um curso a IA é proibida, noutro é requisito, mas em nenhum se discute seu lugar epistemológico.

Nesse vácuo prosperam dois riscos: 1) a erosão de competências basilares - escrita, interpretação, pensamento crítico, criatividade - visível em estudantes que delegam à máquina as tarefas mais rotineiras de seu processo formativo; 2) a cultura de desconfiança que transforma o ato de avaliar em inquérito, consumindo horas de docência na busca por distinguir entre ação humana e produção de máquina.

O Observatório de Políticas para IA da OCDE já alertou que, sem reforma curricular, a IAG "automatizará" justamente as competências que devem ser fomentadas, empurrando-as para a periferia dos processos formativos.

Condenar a IAG seria anacronismo; adotá-la sem régua crítica é imprudência. A solução não está apenas em proibir ou regular o uso dessas ferramentas, mas em repensar fundamentalmente como educamos em um mundo onde elas são onipresentes. Assim, longe de sucumbir à "lógica do atalho", a universidade poderá transformar a IAG em aliada da criatividade e do pensamento crítico e livre, e não em fantasma que assombra salas de aula.

O que está em jogo não é só a integridade acadêmica, mas a própria capacidade de formar profissionais capazes e cidadãos críticos, com consequências para o futuro da sociedade como um todo. Dar resposta a essa crise deve ser prioridade para os gestores da educação superior.

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