A invasão da Crimeia, território sob soberania ucraniana, em 2014, e a atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia repercutem intensamente nas Relações Internacionais. A cessão definitiva da Crimeia aos russos é defendida por líderes de países como os Estados Unidos e a China. O governo brasileiro tem sinalizado apoio à medida, alegando que tal decisão poderia pôr fim ao conflito. Na prática, significaria compactuar com o antigo princípio da conquista territorial por meio da força militar - uma perspectiva inaceitável desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Há uma dimensão mais ampla a ser considerada: a crise do multilateralismo e das instituições que o representam, como a Organização das Nações Unidas (ONU). Torna-se oportuno revisitar o significado do multilateralismo e compreender o que está em risco com o seu enfraquecimento, bem como os perigos que isso representa para a estabilidade do sistema internacional.
O multilateralismo ocupa um lugar central nas Relações Internacionais. O teórico John Ruggie elaborou uma definição elucidativa que contribui para a compreensão de sua relevância. Segundo o autor, o multilateralismo é a forma institucional de coordenação entre três ou mais Estados, baseada em princípios normativos e padrões de conduta que geram comportamentos previsíveis por parte dos Estados diante de situações que se apresentam no cenário internacional.
A definição enfatiza o aspecto prescritivo do multilateralismo, destacando que ele não se resume à mera cooperação entre múltiplos atores, mas representa uma prática institucionalizada, regida por normas consensuais. O conceito carrega consigo o compromisso com regras reconhecidas, criando um ambiente no qual os Estados se comportam de acordo com padrões considerados legítimos - o que fortalece o Direito Internacional. Sua consequência mais evidente é a promoção da previsibilidade nas relações entre os Estados, como o respeito ao princípio da soberania nacional.
No cenário contemporâneo, o multilateralismo enfrenta desafios, como o ressurgimento de políticas unilaterais, o renascimento do nacionalismo agressivo, enfraquecimento da ONU e a prevalência do poder econômico e militar em detrimento da diplomacia. A quebra do consenso multilateral - segundo o qual a comunidade internacional não tolera a conquista de territórios por meio da força - abre precedentes perigosos.
A crise do multilateralismo projeta cenários de tensão e conflitos em escala crescente, ameaçando seriamente a estabilidade do sistema internacional. Seu enfraquecimento fortalece o hard power das potências e alimenta suas ambições por territórios e controle de recursos estratégicos.