Logo O POVO+
Caucaia e o datacenter, um futuro em disputa
Opinião

Caucaia e o datacenter, um futuro em disputa

.Não se trata de ser contra a tecnologia, mas de perguntar-se, para variar, a quem serve esse progresso. A promessa de desenvolvimento se repete, como ocorreu com o porto do Pecém, mas os resultados sociais são muito limitados
Edição Impressa
Tipo Opinião Por
Foto do Articulista

Rodrigo Santaella

Pesquisador na LUT University (Finlândia) e Professor do IFCE Caucaia

O anúncio da instalação de um datacenter em Caucaia reacende o debate sobre que modelos de desenvolvimento. Datacenters são infraestrutura essencial para o funcionamento de plataformas digitais e sistemas de IA, como o TikTok ou o ChatGPT. Armazenam e processam grandes volumes de dados - e demandam, em contrapartida, enormes quantidades de água, energia e recursos naturais, além de se apoiarem em cadeias extrativistas e trabalho precarizado.

O caso de Caucaia é emblemático. O projeto, vinculado ao TikTok, pretende se instalar sobre territórios indígenas do povo Anacé, em áreas já pressionadas pelo Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP). A água viria das mesmas fontes que hoje abastecem comunidades locais - como o Açude de Sítios Novos e o Lagamar do Cauípe. O que está em jogo não é apenas um novo investimento, mas a apropriação de recursos vitais em nome de uma economia digital que pouco retorna à população.

A cidade, rica em diversidade cultural e ambiental, convive com desigualdade histórica, escolas em ruínas e serviços públicos precários. O CAPS local, por exemplo, funciona precariamente, e chegou a estar algum tempo sem psiquiatras. A ironia é evidente: enquanto faltam condições básicas para tratar a saúde mental da população, especialmente da juventude das periferias, ergue-se um datacenter que alimenta plataformas digitais cujos impactos psíquicos, além dos ambientais e sociais, são cada vez mais estudados e denunciados.

Não se trata de ser contra a tecnologia, mas de perguntar-se, para variar, a quem serve esse progresso. A promessa de desenvolvimento se repete, como ocorreu com o porto, mas os resultados sociais são muito limitados. Caucaia, como uma cidade periférica no Sul Global, precisa de justiça ambiental, acesso à água, preservação de seus modos de vida, valorização de sua diversidade e cuidado com sua gente. Não de mais um megaprojeto que transforma o território em infraestrutura para o lucro de poucas Big Tech e para a reprodução de um modelo de vida, dataficado, que tem adoecido a sociedade que o circunda. O confronto que tende a se iniciar na cidade em torno do Datacenter expressa uma contradição maior: a disputa pelo futuro em nossas sociedades.

O que você achou desse conteúdo?