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Germana Belchior: Quem escolhe meu lugar sou eu
Opinião

Germana Belchior: Quem escolhe meu lugar sou eu

O episódio recente vivido pela ministra Marina Silva escancara uma verdade incômoda, porém necessária de ser dita: a violência política de gênero não é apenas contra as mulheres
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Germana Belchior. Pós-doutorado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Germana Belchior. Pós-doutorado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O que significa dizer a uma mulher, em pleno exercício de sua função pública, a frase: "Ponha-se no seu lugar"? Essa expressão, impregnada de autoritarismo e preconceito, carrega uma tentativa clara de silenciamento. Significa, em sua essência, que para muitos ainda persiste a crença de que o lugar da mulher não é na política, nem no poder, muito menos nos espaços de decisão que impactam diretamente o futuro do país e do planeta.

O episódio recente vivido pela ministra Marina Silva, quando foi alvo dessa frase proferida por um senador durante uma audiência pública, escancara uma verdade incômoda, porém necessária de ser dita: a violência política de gênero não é apenas contra as mulheres. Ela é também contra tudo o que elas representam, defendem e transformam. Trata-se de um ataque à própria possibilidade de construção de um projeto coletivo sustentável, democrático e justo - um projeto onde caibam diversidade, justiça social e compromisso com o futuro.

Quando uma mulher é atacada, constrangida ou deslegitimada por ocupar um cargo de poder, o alvo não é apenas sua presença física, mas também seu repertório simbólico e político. No caso de Marina Silva, o que se quis desautorizar não foi apenas a ministra, mas todo o conjunto de causas que ela representa: a proteção da Amazônia, o enfrentamento à crise climática, o antirracismo, os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, a preservação dos biomas e a defesa do meio ambiente como patrimônio comum da humanidade.

Essa violência de gênero caminha, neste contexto, lado a lado com a violência ecológica. Não por acaso, os que tentam calar vozes femininas são, muitas vezes, os mesmos que insistem em flexibilizar leis ambientais, relativizar crimes ecológicos e mercantilizar a natureza.

Esse tipo de silenciamento, lamentavelmente, também tem sido reproduzido por mulheres que, por ausência de sororidade ou adesão até inconsciente às lógicas patriarcais, reforçam estruturas de opressão. Atacar uma mulher que defende o meio ambiente é, também, atacar o propósito público - esse compromisso ético com o bem comum, com o cuidado intergeracional e com a dignidade da vida em todas as suas formas.

A frase dita a Marina Silva não é só uma grosseria isolada. É a expressão do machismo estrutural em aliança com o negacionismo ambiental. Ambos operam sob a lógica da dominação e da exclusão, negando não só direitos, mas a própria legitimidade de quem ousa ocupar espaços que historicamente foram negados às mulheres, sobretudo àquelas que desafiam o modelo patriarcal. Por isso, é preciso reiterar, com convicção, coragem e sem pedir licença: quem escolhe meu lugar sou eu.

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