Não teremos escapatória. As gerações do amanhã nos questionarão sobre o que fizemos para impedir o genocídio contra a população palestina encurralada em Gaza. Afinal, fomos contemporâneos dos fatos. Vimos um exército profissional e bem equipado retalhar civis praticamente desarmados. Não nos faltaram imagens das cidades em ruínas, dos hospitais em chamas, das pilhas de corpos, das mulheres e das crianças mutiladas, das bombas lançadas como ajuda humanitária, da fome utilizada como arma de destruição em massa.
A ignorância não nos servirá de álibi. Tudo se passou à frente dos nossos olhos, desafiando nossa empatia, nossa capacidade de reação, nossa crença na fraternidade entre os povos e na própria possibilidade da paz como projeto coletivo. A impotência e a inação poderão ser perdoadas quando encararmos o tribunal da história?
Contemporâneo da brutalidade nazista, Adorno nos ensinou que "eliminar o sofrimento é condição de toda verdade histórica". Essa exigência ética nos obriga a olhar para nosso tempo: não há história justa que não parta do combate à dor evitável. Ignorá-la é perpetuar a farsa e a ignomínia. Gaza é esse ponto de ruptura: ali, se decide se ainda somos capazes de reagir à vilania ou se seremos cúmplices na condenação dos inocentes.
Somos filhos deste tempo - um tempo que hierarquiza e organiza o silêncio em torno das que são consideradas descartáveis. Gaza é hoje o laboratório no qual se experimenta a tecnologia de fazer fracassar, em escala global, toda e qualquer solidariedade genuína. E o sucesso desse experimento nos condenará ao quadro no qual, ao se completar a destruição de Gaza, paradoxalmente, muitas outras Gazas estarão por vir.
Contra essa engrenagem da morte, as iniciativas da Flotilha da Liberdade e da Marcha Global para Gaza - que procuram romper o cerco por mar e por terra, reunindo vozes do mundo inteiro em defesa do povo palestino - são expressões da humanidade que insiste em sua dignidade.
É hora e vez da solidariedade internacional. Somente ela pode romper a máquina do silêncio e nos livrar da cumplicidade com o injustificável.