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Se o mundo parasse eu desceria
Opinião

Se o mundo parasse eu desceria

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Palestinos correm para se proteger do ataque de drone israelense em Jabalia, no norte da Faixa de Gaza, em 23 de maio de 2025 (Foto: Bashar TALEB / AFP)
Foto: Bashar TALEB / AFP Palestinos correm para se proteger do ataque de drone israelense em Jabalia, no norte da Faixa de Gaza, em 23 de maio de 2025

Se eles são o povo de deus eu fico pensando que a parte da humanidade que crer deveria ter escolhido o diabo. Quem poderia imaginar que os perseguidos se tornariam perseguidores com uma fúria quão semelhante aos genocidas nazistas.

As mulheres e as crianças de Gaza assassinadas pelo estado de Israel, se houver um deus impiedoso como pregam muçulmanos e judeus, há de vingá-los.

Enquanto o mundo se encaminha para uma guerra de proporções inimagináveis, aqui na terra do pandeiro e do açaí a extrema-direita tupiniquim mostra sua cara numa ópera bufa transmitida ao vivo e em cores, no que num futuro não muito distante poderá se transformar numa série de sucesso num streaming da vida.

O Nuremberg brasileiro ou o julgamento do 8/1.

O julgamento da estupidez encarnada. A marcha dos que confundiram patriotismo com seita, república com seita, democracia com seita.

Figuras grotescas, que se autodenominam patriotas, desfilam diante de togados em becas pretas, num teatro em que os réus acreditam ser mártires de um tempo que jamais existiu ? ou que só existiu no delírio coletivo das fake news de WhatsApp.

Enquanto isso, o Brasil real ainda acorda cedo, pega dois ônibus, enfrenta fila no posto de saúde, reza pra ter aula na escola pública e torce para que o gás não acabe antes do mês.

Esse Brasil não grita nas portas dos quartéis. Esse Brasil não vestiu verde e amarelo para pedir intervenção militar.

Esse Brasil se protege como pode da tempestade de ignorância, e sobrevive, como sempre sobreviveu, sem a ilusão de heróis farsescos.

Na outra ponta da tela, do outro lado do mundo, corpos infantis jazem sob escombros.

Bombas, drones, algoritmos. A guerra ganhou contornos assépticos, como se pudesse ser transmitida sem cheiro de sangue, sem o peso da dor, sem o desespero dos olhos que ainda não entenderam por que o mundo decidiu parar de ser humano.

Se o mundo parasse, eu desceria.

E ficaria ali, no acostamento da história, observando a marcha dos cegos conduzidos por cegos, até que tudo desabe.

Porque há dias em que resistir é também saber a hora de sair do caminho.

 

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