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Joyceane Bezerra de Menezes: Estupro e gravidez na infância: a Condenação da Guatemala
Opinião

Joyceane Bezerra de Menezes: Estupro e gravidez na infância: a Condenação da Guatemala

No Brasil, o estupro de vulnerável (menores de 14 anos) é uma das hipóteses legais de interrupção da gravidez. No entanto, meninas violentadas enfrentam muitos obstáculos para exercer esse direito e acabam revitimizadas
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Joyceane Bezerra de Menezes
Advogada, doutora em Direito e professora da Unifor e UFC
 (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Joyceane Bezerra de Menezes Advogada, doutora em Direito e professora da Unifor e UFC

Entre 2021 e 2023, o Brasil registrou 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes de até 19 anos, segundo o relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil - 2ª edição, divulgado pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Conforme o relatório, a violência é crescente a cada ano, de modo que, em 2023, houve uma ocorrência a cada oito minutos. Registram-se cerca de 12 mil partos anuais em meninas com idade inferior a 14 anos, vítimas de estupro.

No Brasil, o estupro de vulnerável (menores de 14 anos) é uma das hipóteses legais de interrupção da gravidez, conforme a Lei nº 12.015/2009 e o Código Penal. No entanto, meninas violentadas enfrentam muitos obstáculos para exercer esse direito e acabam revitimizadas, apesar da Resolução 258/2024 do Conanda, que busca fortalecer a sua proteção, garantindo fluxo de atendimento adequado, acesso ao aborto legal e formação de profissionais para um acolhimento rápido, sigiloso e livre de preconceitos.

No estado de Goiás, uma menina de 13 anos teve duas negativas judiciais ao pleito de interrupção da gravidez derivada de estupro, antes de obter a autorização em recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, por decisão da Min. Maria Thereza de Assis Moura. Esses entraves intensificam o sofrimento psíquico e, em alguns casos, podem levar as vítimas a tentativas de suicídio. Um outro caso, em Santa Catarina, foi protagonizado por uma criança de apenas dez anos que só conseguiu a decisão judicial autorizativa da interrupção gestacional na 22ª. segunda semana da gravidez.

Em junho de 2025, a Guatemala foi condenada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU pela omissão no enfrentamento da questão no caso Fátima - adolescente de 13 anos que engravidou em virtude do estupro que sofreu da parte de um professor universitário que lhe era próximo. O Equador e a Nicarágua também sofreram condenações por casos como esse no iníco do ano. No primeiro, Norma - uma garota de 13 anos, engravidou após o estupro cometido pelo próprio pai; e na Nicarágua, dois foram os casos levados à Corte: o de Susana que era correntemente abusada pelo avô, de quem engravidou aos 12 anos; e o de Lucia que era violentada por um sacerdote, vindo a engravidar aos 13 anos.

As decisões têm grande impacto porque reiteram os parâmetros para garantir direitos humanos das meninas, incluindo o acesso à educação sexual, aos serviços seguros de interrupção da gravidez e outras formas de proteção a sobreviventes de violência sexual. O Comitê da ONU instou os Estados a reformar suas legislações para assegurar esse acesso e evitar que meninas sejam submetidas a gestações forçadas e à maternidade compulsória. Meninas não são mães.

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