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Edgar Braga Neto: O Dnocs e os 65 anos de rompimento da barragem do açude Orós
Opinião

Edgar Braga Neto: O Dnocs e os 65 anos de rompimento da barragem do açude Orós

Se a República tivesse encarado seriamente o problema das secas, não teria havido a mistura nada aconselhável de engenharia com assistência, que resulta em erros grosseiros, obras mal-acabadas e subnotificação das tragédias
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Edgar Braga Neto. Historiador, sociólogo e professor da Universidade Federal do Maranhão. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Edgar Braga Neto. Historiador, sociólogo e professor da Universidade Federal do Maranhão.


Há 65 anos, no dia 26 de março de 1960, tivemos o transbordamento de parte da barragem do açude Orós. Sob a responsabilidade do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), a barragem do Orós ainda se encontrava em construção no momento do acidente, embora a sua inauguração tivesse sido marcada para outubro de 1959. O plano de economia desse ano fez com que os recursos necessários para o término da obra fossem bloqueados pelo governo federal, que contraditoriamente nesse mesmo ano havia lançado, com alarde, a Operação Nordeste!

Só que as águas do Jaguaribe não esperaram as verbas do governo e desceram o vale atingindo 170 mil pessoas, alagando cidades e destruindo açudes, automóveis, casas, estradas, fábricas, pontes e plantações. E, por incrível que pareça, os memorialistas acreditam que, na tragédia do Orós, não houve mortes.

O combate às secas organizado pelo Estado brasileiro ganhava impulso somente na emergência das secas, prejudicando a ação continuada do Dnocs e os interesses das oligarquias do Nordeste. É certo que o Dnocs deveria agir na emergência provocada por longas estiagens, pois senão estaria contrariando a Constituição e os oligarcas do Nordeste que procuravam se beneficiar dos serviços prestados pelo órgão.

Por isso, as oligarquias do Sul e do Sudeste não acreditavam na seriedade da luta contra as secas, traduzindo a intervenção federal somente por indústria da seca, e, assim, anulavam a orientação do Dnocs, rebaixando o seu orçamento a quase nada, o que, além de fazer da defesa metódica uma intervenção meramente pontual, causava morosidade na realização das obras hidráulicas. Para se ter uma ideia disso, o projeto do Orós era de 1912! A tragédia no Ceará é resultante, pois, da luta entre as oligarquias regionais por fatias e recursos do Estado.

Na construção do Orós, não houve um erro de projeto, mas sim da politicagem tupiniquim. Agora esse evento não deve ser lembrado apenas pela covardia de nossas autoridades, mas também pela fúria heroica e responsabilidade cívica dos sertanejos, sexagenários, que diante da força das águas do Jaguaribe, cavavam o solo com as próprias mãos para evitar a tragédia. Se a República tivesse encarado seriamente o problema das secas, não teria havido a mistura nada aconselhável de engenharia com assistência, que resulta em erros grosseiros, obras mal-acabadas e subnotificação das tragédias.

Portanto, a causa do rompimento da barragem do Orós está localizada num passado mais distante, que se reproduz como estrutura hoje me dia, em especial no esquema emendas parlamentares - órgãos de infraestrutura - clientelismo político.

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