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Sindy Holanda: Entre likes e leniência moral
Opinião

Sindy Holanda: Entre likes e leniência moral

.Quando a desgraça vira lucro - e o lucro vem sem culpa -, o que se perde é o próprio pacto social. E talvez seja por isso que a indignação nos faz tanta falta
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Sindy Holanda. Doutoranda em Sociologia (UFC) mestra em Antropologia Social (UFRGS). (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Sindy Holanda. Doutoranda em Sociologia (UFC) mestra em Antropologia Social (UFRGS).

O que há de verdadeiramente repugnante na injustiça? E por que a indignação parece nos faltar, sobretudo quando os rostos do poder se encaixam nos padrões de beleza e privilégio? Recentemente, a influenciadora digital Virgínia Fonseca prestou depoimento na CPI das Apostas Esportivas, em Brasília. A cena foi transmitida ao vivo e acompanhada por milhares - entre elas, eu. O mais impressionante não foram seus argumentos, mas o apoio que recebeu nos comentários, como se o julgamento moral fosse dispensável diante de um rosto bonito e uma trajetória marcada por fama e ostentação.

Esse episódio revela, com clareza sociológica, três aspectos inquietantes da nossa cultura atual. Primeiro, a adesão cega a figuras públicas: seguimos influenciadores como líderes morais, mesmo quando há sinais de que violam o interesse coletivo. Essa fidelidade acrítica, alimentada pelas redes sociais, revela o esvaziamento da reflexão pública e a transferência da autoridade ética para quem melhor performa online.

Segundo o escândalo envolvendo uma mulher branca, jovem e dentro dos padrões estéticos dominantes mostra como certos corpos gozam de impunidade simbólica. A tolerância social ao erro, ao crime ou à desonestidade é racializada e classista. O mesmo comportamento, vindo de uma mulher negra e periférica, por exemplo, provocaria reações bem diferentes.

Terceiro, muitos desviaram o foco para outros temas, como fraudes no INSS, como se uma denúncia anulasse a outra. Esse mecanismo, que fragmenta a indignação, protege justamente quem lucra com a desgraça alheia. Quando tudo é problema, nada é responsabilizado.

O sorriso constante de Virgínia, seu tom leve e descompromissado, não são só estilo: revelam a segurança de quem sabe que dinheiro, fama e aparência ainda protegem. A injustiça, quando travestida de "Barbie", entre cirurgias e danças no TikTok, parece menos repulsiva. E isso deveria nos alarmar. Quando a desgraça vira lucro - e o lucro vem sem culpa -, o que se perde é o próprio pacto social. E talvez seja por isso que a indignação nos faz tanta falta.

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