A recente alteração promovida pela Lei 14.713/2023 no Código Civil, ao tratar da guarda de filhos em contextos de violência doméstica, representa um avanço normativo ambíguo. Embora pretenda proteger crianças e adolescentes ao determinar a guarda unilateral em casos de risco comprovado, deixa lacunas perigosas que favorecem a perpetuação de violências invisíveis sobretudo contra as mulheres.
Ao omitir quem seria a vítima potencial da violência que justificaria a exceção à guarda compartilhada, o texto legal não apenas confunde o aplicador do Direito, como vulnerabiliza mães que, mesmo sob medida protetiva, continuam sendo obrigadas a compartilhar decisões parentais com seus agressores.
Em outras palavras, a lei falha ao não deixar claro se a exceção à guarda compartilhada deve ocorrer somente quando a violência for contra a criança ou se também abrange casos de violência contra a mãe. Tal omissão legal tem efeitos concretos e alarmantes: mulheres vítimas de violência psicológica ou física continuam sendo judicialmente obrigadas a conviver e a negociar cotidianamente com o agressor, sob o véu da "coparentalidade responsável".
Não se trata, portanto, de colocar em oposição o direito da criança ao convívio com ambos os genitores e o direito da mulher à segurança e dignidade. Trata-se, sim, de compreender que não há convivência saudável possível quando o espaço de decisão parental é atravessado por histórico de agressão e assédio.
A invisibilidade da violência psicológica, a naturalização do controle e da chantagem emocional, e a ausência de uma leitura interseccional por parte do Judiciário geram um cenário de revitimização contínua para essas mulheres.
É preciso avançar na construção de um sistema de justiça que ouça, compreenda e proteja verdadeiramente as vítimas. Enquanto a legislação permanecer ambígua e a justiça seguir priorizando formalidades em detrimento da segurança, continuaremos a expor crianças e mulheres a um ciclo de dor legitimado pelo próprio Estado.