Minha amizade com o jornalista Gervásio de Paula aconteceu por entre comícios, praças e mesas de bar, nos anos setenta. Ele era conhecido como um experiente profissional do texto, ligado ao clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB), de orientação stalinista. Eu era estudante universitário empenhado na reestruturação dos diretórios centrais de estudantes e conhecido como leitor de Trótski. Naquela época, stalinistas e trotskistas deveriam se odiar. Gervásio e eu superávamos essa diferença nos primeiros dedos de prosa e goles de cerveja.
Gervásio era representante do famoso jornal O Pasquim, em que atuavam os melhores jornalistas do país, inclusive ele, com suas crônicas. Eu era representante do jornal Em Tempo, um pequeno veículo alternativo de esquerda do qual me orgulhava em colaborar. Distribuíamos os jornais pelas bancas e pelos ambientes universitários. Costumávamos nos encontrar no Flórida Bar, onde fazíamos a contabilidade movidos a cerveja e bifes acebolados. Muitas vezes, estávamos lisos e pedíamos ao garçom para pagar as despesas em outro dia.
Foi Gervásio quem me apresentou a pessoas importantes do meio cultural e político que eu admirava bastante, como o advogado Américo Barreira e seu irmão, o jornalista Luciano Barreira; o jornalista e escritor Blanchard Girão; a socióloga e professora universitária Maria Luiza, futura deputada estadual e prefeita de Fortaleza e os compositores e cantores Ednardo e Belchior, dentre outros. Penso que Gervásio e Belchior viviam a máxima marxista “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. Eles nunca se preocuparam com o vil metal em pleno capitalismo.
Aprendi muito com o cidadão Gervásio de Paula. A simplicidade e a solidariedade faziam pleno o seu caminho de vida, que também contava com momentos irascíveis. Era humilde, sabia recuar e pedir desculpas quando se percebia equivocado. Com o passar do tempo, começou a ler Jacob Gorender e eu, Ernest Mandel.
À noite, muitas vezes nos encontrávanos nos restaurantes Estoril e Tacacá, na Praia de Iracema. Ao brindar a primeira cerveja, ele dizia, a la Millor Fernandes: “Não percamos o sonho de uma sociedade justa, democrática e socialista, sem esquecermos a ternura e a boemia”. Formei-me em direito e fui advogar nos sindicatos dos trabalhadores rurais, enquanto Gervásio trabalhava como editor do jornal O Mutirão. Independentemente de nossas diferenças ideológicas, o socialismo era nosso horizonte e nossa amizade é eterna.