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Erle Mesquita: Bolsa Família é obstáculo à contratação ou alvo fácil?
Opinião

Erle Mesquita: Bolsa Família é obstáculo à contratação ou alvo fácil?

De um lado, os valores pagos pelo Bolsa Família não garantem a manutenção de uma família além do acesso a itens básicos, como alimentação; e, de outro, o emprego formal parece pouco atrativo frente às queixas do setor produtivo
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Erle Mesquita. Sociólogo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Erle Mesquita. Sociólogo.

Não há dúvidas de que parte do setor produtivo enfrenta dificuldades para contratar mão de obra nos seus próprios termos e prazos. No entanto, o grande "vilão" apontado - quase como um dogma - tem sido o programa Bolsa Família, que garante uma renda mínima aos mais pobres. Mas será esse, de fato, o principal problema?

A pergunta é provocativa, especialmente porque, de um lado, os valores pagos pelo Bolsa Família não garantem a manutenção de uma família além do acesso a itens básicos, como alimentação; e, de outro, o emprego formal tem se mostrado pouco atrativo frente às queixas do setor produtivo.

Além disso, há quem reforce a narrativa de que as pessoas, especialmente os jovens, não querem mais os chamados empregos tradicionais. Essa percepção, no entanto, soa contraditória: mesmo com direitos ainda assegurados - como 13º salário, férias remuneradas e seguridade social - muitas empresas seguem enfrentando dificuldades para contratar.

Eliminar esses direitos tornaria as vagas mais atraentes, mesmo com uma remuneração um pouco maior? É difícil sustentar essa lógica, sobretudo considerando que a criação do trabalho intermitente e o avanço da pejotização nos últimos anos não resolveram o problema do acesso à mão de obra.

Nesse cenário, é preciso considerar outros fatores que tornam as vagas menos atraentes, como os baixos salários, a alta rotatividade e a falta de perspectivas de crescimento. O tempo médio de permanência no emprego gira em torno de 18 meses. Esse dado se soma ao aumento dos pedidos de demissão no Brasil, mesmo com a renúncia ao seguro-desemprego e à multa do FGTS - o que, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, tem sido motivado por expectativas de uma nova oportunidade, insatisfação com salários, conflitos com chefias ou com a cultura da empresa. Esses dados desconstroem a ideia de que trabalhadores forçam a demissão apenas para acessar benefícios.

Diante disso, é difícil sustentar que o Bolsa Família seja o verdadeiro obstáculo. Ao que tudo indica, continua sendo apenas o alvo mais fácil.

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