Hiroshima, 6 de agosto, 8 horas e 15 minutos. Nagasaki, 9 de agosto, 11 horas e 02 minutos. Os sinos tocando marcam o exato momento em que as bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos atingiram as cidades, em 1945. Foi a primeira vez que ambos soaram no mesmo ano desde as destruições, com as badaladas acompanhadas somente pelo silêncio de 1 minuto em homenagem aos cerca de 210 mil mortos.
Sobreviver foi um milagre. Hibakusha. É como são chamadas no Japão as “pessoas afetadas pela explosão”, muitas invisíveis ao mundo e inconvenientes ao próprio país. Além das mortes imediatas, a radiação – liberada até pela “chuva negra”, as gotas radioativas que caíram nos dias seguintes – causou complicações de longo prazo, como câncer e mutações genéticas. Por décadas, acreditou-se que suas doenças eram hereditárias e até contagiosas.
A organização formada por sobreviventes em 1956, Nihon Hidankyo, advoga contra a proliferação nuclear e seus relatos foram centrais no estabelecimento do “tabu nuclear” – norma implícita que inibe o uso inicial de armas atômicas. Em 2024, essa luta resultou no Nobel da Paz, prêmio justificado pelo comitê diante do crescimento dos conflitos armados no mundo.
O medo é real. O Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo (Sipri) lançou em junho seu anuário com um alerta: pela primeira vez desde a Guerra Fria, as ogivas nucleares em estoque disponíveis para uso aumentaram. Há cerca de 12.000 ogivas (90% delas nas mãos dos Estados Unidos e da Rússia), 9.600 das quais prontas para uso e pelo menos 2.000 em "alerta operacional máximo".
A maioria dos estados nucleares moderniza seus arsenais, com gastos superiores a 100 bilhões de dólares. A Rússia faz ameaças nucleares a Kiev e à Otan, ao que Trump respondeu com o reposicionamento de dois submarinos nucleares. O último tratado de controle de armas entre ambos irá expirar em seis meses. A China deverá ter tantos mísseis balísticos intercontinentais até 2030 quanto a Rússia ou os EUA.
As recentes tensões entre Índia e Paquistão geram ansiedade, e o Irã foi atacado por Israel e EUA sob a acusação de desenvolver armas nucleares. Há quem diga que o caminho é seguir países como o Paquistão ou a Coreia do Norte, que hoje são intocáveis justamente por seus arsenais, e que Iraque e Síria teriam outro destino se não tivessem desistido dos seus programas.
Apesar de tudo, o tabu se mantém e parece conter os envolvidos: nenhuma arma nuclear foi usada em guerra nos últimos quase 80 anos.Uma lembrança frágil, mas ainda de pé, do abismo que evitamos. Contudo, arsenais seguem prontos e ameaças voltam a ser verbalizadas. O Nobel reconheceu vozes que resistem, mas será que o mundo ainda as escuta? Que seus ecos não se percam no silêncio que acompanha os sinos. Hibakusha.