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Uirá Porã: Soberania Digital, cultivando tecnologias a partir da cultura
Opinião

Uirá Porã: Soberania Digital, cultivando tecnologias a partir da cultura

Vivemos uma era de colonialismo algorítmico. Grandes corporações sequestram nossos afetos, tradições e criatividade, transformando-os em dados esterilizados para consumo alheio. A Rede das Artes surge como resposta a esse sequestro
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Uirá Porã. Cofundador do Laboratório do Futuro (UFC) e ativista da soberania digital. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Uirá Porã. Cofundador do Laboratório do Futuro (UFC) e ativista da soberania digital.

O lançamento da Rede das Artes (rededasartes.cultura.gov.br) neste 12 de agosto de 2025 não é apenas uma entrega tecnológica, é um ato político que revela uma perspectiva: não há soberania digital sem soberania cultural. Como cofundador do Laboratório do Futuro, parceiro da Funarte nessa jornada, afirmo com convicção: plataformas como esta só ganham vida quando brotam do solo fértil de nossa identidade coletiva.

Vivemos uma era de colonialismo algorítmico. Grandes corporações sequestram nossos afetos, tradições e criatividade, transformando-os em dados esterilizados para consumo alheio. A Rede das Artes surge como resposta a esse sequestro. Ela não é um simples repositório, mas um organismo vivo que conecta maracatus do Nordeste, cineastas da Amazônia, grafiteiros das periferias e tantos outros Brasis. Seu código foi alimentado por décadas de diálogo com griôs digitais, mestres da cultura e coletivos artísticos — porque a tecnologia desenraizada é apenas ferramenta de dominação.

Aqui reside o cerne da mudança: soberania é resultado de afirmação cultural. Não se trata apenas de desenvolver softwares nacionais, mas de garantir que esses instrumentos reflitam nossas complexidades, falem nossa língua e fortaleçam nossas redes.

Quando Maria Marighella, presidenta da Funarte, fala em "construir um retrato vivo da cena artística", ela defende mais que mapeamento: propõe uma cartografia afetiva. Cada coletivo cadastrado, cada evento registrado, tece uma malha de autonomia. Ao descentralizar o acesso e dar transparência aos editais, a plataforma subverte a lógica perversa que concentra recursos e visibilidade. Mostra que políticas públicas digitais só funcionam quando nascem de baixo para cima, irrigadas pela diversidade cultural.

O Laboratório do Futuro, vinculado à UFC e ao Instituto Mutirão, compreende esse desafio. Nossa trajetória no Ceará nos ensinou que inovação não se compra: cultiva-se. A Rede das Artes é fruto dessa colheita — uma infraestrutura pública que pertence aos artistas, não a intermediários. Seus dados são sementes para novas economias criativas, seu código aberto é um convite à cocriação.

Ainda há caminhos por desbravar. Precisamos garantir que vozes silenciadas pela exclusão digital encontrem espaço nessa rede. Que a governança permaneça viva, sensível às dinâmicas dos territórios. Mas o alicerce está posto: só existirá soberania tecnológica se for construída sobre a rocha da cultura. Não como monumento, mas como rizoma — aquela raiz que se espalha subterraneamente, sustentando árvores que ainda nem sonhamos.

Que esta plataforma seja um farol para outras políticas públicas. Lembrando ao poder que tecnologia não se compra pronta: inventa-se, com as mãos sujas de terra e os olhos cheios de futuro.

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