O envio de três navios de guerra norte-americanos - USS Gravely, USS Jason Dunham e USS Sampson, todos equipados com o sistema de combate Aegis e mísseis guiados - rumo ao mar do Caribe reacendeu os alertas na América Latina. A imagem de navios militares dos Estados Unidos se aproximando da Venezuela evoca memórias de intervenções externas que marcaram a história do continente e reabre uma questão central: até que ponto a retórica de combate ao narcotráfico serve como justificativa para uma possível intervenção de Washington?
Desde o início de seu mandato, Donald Trump transformou o narcotráfico, ao lado da questão migratória, em eixo central de sua política para a região. Seu governo aprovou leis que classificam cartéis como grupos terroristas, enquadrando-os como ameaça à segurança nacional. No caso venezuelano, o chamado Cartel de los Soles foi declarado inimigo oficial dos EUA, em meio ao estabelecimento de recompensa para captura de Nicolas Maduro.
No México, a presidente Claudia Sheinbaum enfrenta forte pressão de Trump para ampliar o controle das fronteiras e intensificar o combate aos grupos criminosos, mas tem rejeitado a intervenção direta dos EUA. O Brasil também entrou nesse radar: autoridades norte-americanas tentaram convencer o governo brasileiro a classificar o PCC e outros grupos como organizações terroristas - medida que permitiria processar e prender seus integrantes nos EUA. O governo brasileiro rejeitou a proposta, embora setores da oposição tenham criticado essa decisão e se alinhem a proposta de Trump.
Não se trata de minimizar o impacto devastador do crime organizado na vida cotidiana da população. O narcotráfico corrói instituições, destrói vidas e mina a confiança da sociedade na democracia. Mas cabe a pergunta: a política antidrogas norte-americana, que há décadas orienta as relações com a América Latina, trouxe resultados positivos? Os índices de criminalidade respondem negativamente e reforçam a incapacidades dos governos de implementarem políticas eficazes.
O exemplo de Nayib Bukele em El Salvador ilustra a complexidade do tema. Com prisões em massa e severas restrições de direitos, o presidente reduziu drasticamente os índices de violência e conquistou amplo apoio popular. Sua estratégia é sedutora para sociedades exaustas da insegurança, mas os custos institucionais e os riscos para a democracia levantam sérias dúvidas sobre sua viabilidade de longo prazo.
O envio de navios ao Caribe recoloca a América Latina em um quadro de fragilidade e incerteza. Trata-se também de uma mensagem clara à região: a política de Washington continua ancorada em uma lógica intervencionista, herdeira da Doutrina Monroe. O ideal seria que fôssemos capazes de construir soluções próprias, baseadas em novos modelos. No entanto, estamos diante de mais uma demonstração de força que, como tantas outras, abre crises, mas raramente traz as soluções que a região necessita.