Certa vez, Franco Montoro, ex-governador do Estado de São Paulo, disse: "ninguém vive na União ou no Estado, as pessoas vivem nos municípios". Essa assertiva, embora correta e repetida à exaustão no movimento municipalista, não passa de mera retórica, nos dias de hoje. Embora União e Estados possuam existência formal e legal, na prática, são abstrações jurídicas. Nos municípios, as dores imediatas são sentidas e compartilhadas. Prefeito e vereadores estão ali, na ponta, ao alcance da imprensa, das entidades de classe, dialogando com as pessoas sobre questões que afetam o dia a dia. Saúde, educação, infraestrutura, trânsito, limpeza pública, entre tantos outros, são desafios diários. Além disso, cada vez mais, gestores municipais carregam o peso de políticas públicas que não são de sua responsabilidade constitucional.
A população exige, com razão, soluções para os problemas que a afligem. Todavia, quando essas cobranças são direcionadas ao destinatário indevido, a sociedade fica enfraquecida. Essa transferência enviesada de responsabilidades resulta no problema sem solução, com o consequente agravamento da situação. Quem é cobrado indevidamente sofre impacto na sua imagem política, mas o problema perdura ou é resolvido com paliativos. Falta-lhe "braço" para resolver o que não lhe compete! Quem tem o dever de resolver, mas não é demandado como deveria, pode até passar despercebido, porém, o problema se avoluma, fica ao deus-dará! Quem perde com isso?
Segurança pública, por exemplo, é de competência estadual. Porém, cada vez mais se exige um protagonismo dos gestores municipais, que não recebem um centavo sequer para desenvolver a política pública! Algo semelhante acontece com a entrega de medicamentos de alto custo ou com os problemas estruturais deixados por obras da Cagece, que abrem buracos pelas ruas sem qualquer reparo imediato, mas cujas críticas recaem, naturalmente, sobre a gestão municipal. O que falar da judicialização na Saúde? Os municípios são, invariavelmente, o alvo mais fácil, independente de ser ou não "o pai da criança".
O município assume os custos do transporte de pacientes em TFD (Tratamento Fora de Domicílio), arcando com deslocamentos longos e fatigantes. Por que ocorre o tratamento fora do domicílio? Porque o Estado não tem condições de atender a todas as pessoas no seu lugar de origem! Porém, as agruras da operação trazem para o colo dos gestores municipais o desgaste com as intercorrências e lacunas do serviço. É também o município que escuta os apelos dos estudantes universitários por transporte escolar, mesmo quando a Constituição estabelece que a responsabilidade municipal é com a educação básica. São os municípios que devem carregar a responsabilidade da problemática dos moradores em situação de rua? E a questão do uso indevido de drogas?
A verdade é que as demandas se multiplicam e os recursos se comprimem. Vivemos sob um modelo centralizador, com forte concentração de receitas na União, que opera, de forma prática, sob um parlamentarismo às avessas, onde os recursos são liberados em boa parte via articulações com o Congresso Nacional. Nesse cenário, a sobrevivência e o avanço da gestão pública municipal dependem de preparo, estratégia e, sobretudo, qualificação.
A capacitação das equipes técnicas, o domínio dos sistemas, a habilidade para captar recursos e prestar contas com rigor são hoje diferenciais de sobrevivência. Por isso, iniciativas como a da Associação dos Municípios do Estado do Ceará - Aprece, que, numa atitude inédita, descentralizou suas ações e promoveu em Juazeiro do Norte a primeira edição do programa de regionalização, precisam ser celebradas. Tivemos a participação de 23 dos 29 municípios da região, na busca por qualificação.
A cidade é onde tudo acontece, onde tudo chega primeiro. A nós, prefeitos, cabe a missão de fazer mais com menos, de resistir, sem cruzar os braços e, acima de tudo, de planejar e agir com extremo zelo ao erário. Nossa missão é pra lá de desafiadora, pois somos, a um só tempo, primos pobres da Federação e, cada vez mais, arrimos de família!