Recentemente mais um romance literário foi duramente objeto de censura. Uma vereadora de Santa Catarina alegou que o livro "romantiza o estupro", promove "apologia à criminalidade" e ser "instrumento comunista". Não interessa discutir a posição ideológico-partidária da parlamentar, mas apenas a censura a livros, seja política ou literária.
A vereadora discute ainda a classificação da obra literária. Segundo Jéssica Lemonie, a obra não é para ser lida por adolescentes, mas por adultos, em razão do conteúdo sócio-político do romance e da posição política do escritor.
A obra aborda a aspereza da marginalização de crianças e adolescentes na capital baiana, Salvador, de modo que a dignidade e os direitos fundamentais de crianças e adolescentes são roubados pelo drama da sobrevivência diária. Não se "normaliza" os comportamentos praticados por alguns dos personagens da obra, mas a descrição cruel da realidade das grandes cidades que poucos querem enfrentar.
Claramente o autor explora os fatos, influenciando a sociedade a refletir sobre a ausência de políticas públicas dos anti-heróis do romance. Os comportamentos e as atitudes, muitas vezes ilícitas, dos personagens não são descritos como modelos a serem seguidos, por razões lógicas, mas para discutir a miséria decorrente da ausência de políticas públicas específicas voltadas para infância e juventude.
Nesse sentido, Jéssica Lemonie restringe-se, tão somente, a atacar a posição política de um escritor, em vez de apresentar projetos de lei específicos para combater o abandono de crianças e adolescentes, a violação de direitos humanos, a omissão do Estado e a ineficiência de políticas públicas para impedir ilícitos e infrações penais nesta parcela excluída da população.
Nenhum escritor ou artista pode ser "culpado" por transportar a realidade para uma obra de arte e dar vida a personagens criados a partir da vida real, caso contrário punir-se-ia Goethe pela criação do jovem Werther após o personagem tirar a própria vida, em virtude de uma desilusão amorosa, o que provocou, à época, uma onda de suicídios no auge do Romantismo Alemão.