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Desordem Global e Retrocesso Civilizatório
Opinião

Desordem Global e Retrocesso Civilizatório

Ao abandonar o multilateralismo, a humanidade parece estar caminhando inexoravelmente rumo à barbárie e à falta de solidariedade, retrocedendo séculos de avanços e aprimoramento de práticas de convivência e sociabilidade
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Economista José Nelson Bessa Maia. (Foto: Edimar Soares, em 07/12/2012)
Foto: Edimar Soares, em 07/12/2012 Economista José Nelson Bessa Maia.

Estamos em meio a uma grave situação de desordem global em que volta a prevalecer sem amarras a lei do mais forte, guerras de conquista por territórios, massacres de populações civis, colapso da cooperação norte-sul e a imposição injustificada de sanções tarifárias e financeiras a países soberanos por motivações políticas e ideológicas.

Tudo isso levando o mundo à instabilidade econômica e ao perigo de uma conflagração, inclusive de âmbito nuclear, de consequências imprevisíveis. A despeito dos sinais claros de uma situação caótica muitos parecem aceitar passivamente esses absurdos em um processo de normalização mental da crise e da crença que tudo ficará como era antes.

No entanto, para aqueles que conhecem um pouco de História há sinais claros no cenário atual de retrocesso civilizatório e de assustadora crise ética e moral diante de recorrentes ataques aos direitos humanos e à soberania das nações. O uso da chantagem e sanções econômicas como armas para a manutenção de dominação e de extorsão aos mais fracos parece um recuo ao século XIX, ao imperialismo mais escancarado que dividia a partilha de continentes e espoliava povos inteiros submetidos a regimes coloniais.

Ao abandonar o multilateralismo, a humanidade parece, assim, estar caminhando inexoravelmente rumo à barbárie e à falta de solidariedade, retrocedendo séculos de avanços e aprimoramento de práticas de convivência e sociabilidade.

Esse quadro dantesco resulta da decadência da potência hegemônica após 80 anos de predomínio e de seu empenho desesperado em sustar o seu declínio e restabelecer sua primazia econômica após décadas de desindustrialização, financeirização, empobrecimento de sua população e concentração de renda nas mãos de poucos.

No afã de deter a marcha da multipolaridade e a expansão econômica de outras nações recorre à imposição de punições pela via do protecionismo comercial, da expulsão de imigrantes e da demonstração de seu poderio bélico e naval. Tenta com isso ocultar sua exaustão econômica e adiar a superação de sua posição pela potência adversária, considerada sua inimiga.

Apesar do diagnóstico sombrio acima, a tradição chinesa nos ensina que a crise significa um ponto de mudança ou "ponto de inflexão." A situação global deverá passar por um período de desordem e atribulação enquanto o "velho está morrendo e o novo demora a nascer" (Gramsci). Neste contexto é que surgem os "monstros," ou forças autoritárias ou extremistas que se aproveitam do vácuo de poder ou da desorientação geopolítica.

Estamos, pois em meio a uma transição onde as velhas estruturas arquejam, mas o novo paradigma ainda não se consolidou, o que gera um ambiente de instabilidade e incerteza. Mas um novo mundo certamente emergirá dessa situação de caos.

(*) José Nelson Bessa Maia é ex-secretário de assuntos internacionais do Governo do Ceará, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e consultor internacional.

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