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Semitismo não pode ser sinônimo de apoio ao massacre de Gaza
Opinião

Semitismo não pode ser sinônimo de apoio ao massacre de Gaza

De forma corajosa, a escritora judia-canadense Naomi Klein, colunista do "The Guardian" afirma que o povo judeu erra na contemporeneidade por não ensinar as novas gerações a transformar dor, vergonha, raiva e desejo de vigança, vividos com o holocausto, em reflexão que pode impedi-los de cometer "atrocidades aos outros".  
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Há alguns bons anos, fiz parte como jornalista do O POVO de uma comissão de empresários, pesquisadores e secretário de governo que visitou Israel. De Haifa ao deserto de Neguev, conhecemos experiências agrícolas exitosas que poderiam, dadas as proximidades climáticas, serem replicadas no Ceará, o que de fato aconteceu. Desde então, tenho bastante interesse na região, principalmente no momento do atual conflito.

É possível dizer que a fundação de Israel, em 1948, foi o ápice da luta de povo sobrevivente, fraturado e espoliado durante a Segunda Guerra Mundial. A perseguição aos judeus que, segundo Hannah Arendt, atravessou séculos, chegou ao século XX como uma explosão, utilizada pelos nazistas para colocar em curso o extermínio de um povo. Dar um lugar a essa população era, portanto, uma questão urgente e humanitária.

Reconhecer esse momento histórico, porém, não pode ser carta branca para apoiar a atuação Israel em Gaza atualmente. Aceito que o Hamas precisa ser contido, mas atacar Gaza da forma como vem acontecendo há quase dois anos é desumano e cruel. Pôr na conta de “fatalidades e tragédias” as mortes causadas durante ações humanitárias em Gaza, como tem feito o governo israelense, chega a ser desonroso para espécie humana. Definir se o que está acontecendo em Gaza é genocídio ou não, me parece tratar-se de opacidade intelectual.

Convoco aqui o livro da escritora judia-canadense Naomi Klein, “Doppelgänger: Uma viagem através do mundo espelho”, ao enfrentar de forma corajosa os dilemas do duplo Palestina-Israel. Ela sugere que há uma falha na educação judaica em fazer cada criança israelense reviver o horror da guerra, mas nunca levá-la a refletir em como toda essa experiência brutal pode afastá-la de cometer “atrocidades aos outros”. “Surpreende-me que nunca tenhamos sido convidados a tirar proveito da nossa raiva e transformá-la num instrumento de solidariedade” (pg.358).

Naomi Klein expõe, historicamente, como os novos ocupantes do território palestino nos anos de 1940, invibilizaram seus antigos habitantes, tornando-se invisíveis também a estes. Os judeus levaram para a região da Palestina, de acordo com Klein, o modelo colonialista de exploração e sujeição de outros povos, bastante conhecido e vivenciado por eles na Europa. Por experiência própria, um judeu sabe o que é ser apátrida. Klein cita o intelectual palestino-estadunidense Edward Said que, em síntese, chamou os palestinos “vítimas das vítimas” (pg 363).

Ler Naomi Klein, certamente, me aliviou a alma, embora saiba que muitos israelenses, até membros do Exército, são críticos da ação militar que está exterminando palestinos crianças e mulheres e idosos e homens inocentes. Ser antissemita não pode ser sinônimo de apoio incondicional a Israel enquanto este dizima palestinos em Gaza.

 

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