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Matheus Alexandre: "Queremos os reféns, não Netzarim!"
Opinião

Matheus Alexandre: "Queremos os reféns, não Netzarim!"

O leitor pode se surpreender, mas a sociedade israelense mantém mobilizações massivas e constantes contra seu próprio governo há quase três anos. A pergunta que deveria ecoar é: por que você não sabia disso?
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Matheus Alexandre

Professor e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Queremos os reféns, não Netzarim!". Essa era a palavra de ordem bradada por estudantes do movimento Standing Together, o maior movimento popular formado por judeus e palestinos em Israel, que bloquearam na manhã de 17 de agosto, durante o dia de greve geral no país. Netzarim é uma faixa de controle militar israelense dentro da Faixa de Gaza.

O ato foi convocado pelos familiares dos reféns sequestrados e tinha uma pauta clara: pressionar o governo de Netanyahu a abandonar seu plano de ampliar os combates, aceitar um acordo que encerre imediatamente a guerra e, assim, libertar os reféns ainda cativos.

Ao longo do que seria o primeiro dia útil da semana, 1,5 milhão de pessoas foram mobilizadas em um país de apenas 10 milhões de habitantes, culminando com 500 mil manifestantes nas ruas de Tel Aviv. Em proporções brasileiras, seriam 10 milhões de pessoas ocupando a Avenida Paulista.

O leitor pode se surpreender, mas a sociedade israelense mantém mobilizações massivas e constantes contra seu próprio governo há quase três anos. Mesmo após o traumático 7 de outubro de 2023, quando terroristas invadiram Israel, assassinaram 1.200 pessoas e sequestraram outras 250, os protestos não cessaram. Pelo contrário, a sociedade civil israelense continuou transformando a dor em mobilização política.

A pergunta que deveria ecoar é: por que você não sabia disso?

Infelizmente, mobilizações e iniciativas de solidariedade recebem pouquíssima visibilidade na mídia local e quase nenhuma solidariedade do campo progressista. O que ganha repercussão são os atos violentos de grupos extremistas na Cisjordânia ou as falas racistas de políticos como Ben Gvir e Smotrich.

Esse silêncio não é casual: trata-se de uma estratégia de quem insiste em reduzir a sociedade israelense a um bloco monolítico, identificando todo um povo com extremistas para justificar o próprio racismo. São os mesmos que, de braços dados com criminosos de guerra como Putin, decidiram odiar um país inteiro pelas ações de seus governantes.

Curiosamente, esses setores não relativizam a xenofobia contra russos nem pedem o fim do Estado russo. Tampouco questionam a legitimidade do Estado brasileiro, reconhecidamente responsável pelo assassinato em massa da população negra e pobre.

Esse silêncio de parte da esquerda, para quem toda luta democrática em Israel é "propaganda sionista", se encontra com o da extrema-direita, para quem as manifestações são de "apoiadores do Hamas". No fim, ambos se encontram na lógica autoritária que nega a diversidade de um povo inteiro.

Para quem se apegou ao ódio, Israel pode ser qualquer coisa, menos uma sociedade complexa. E, nesse debate, há quem esteja mais mobilizado pelo ódio aos israelenses, que por solidariedade aos palestinos.

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