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Ensaio de multipolaridade Nathana Garcez
Opinião

Ensaio de multipolaridade Nathana Garcez

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Nathana Garcez, doutoranda em Relações Internaiconais (Foto: Marcelo Freire)
Foto: Marcelo Freire Nathana Garcez, doutoranda em Relações Internaiconais

Nos últimos dias, foi realizada em Tianjin (China) a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO), evento multilateral que reuniu os maiores líderes da Ásia em um momento de intensas transformações globais. A presença conjunta de Xi Jinping, Vladimir Putin e Narendra Modi projetou uma imagem poderosa: a de que a política contemporânea já não cabe mais em um modelo centrado no Ocidente. Mas até que ponto essa exibição de força traduz de fato um novo ordenamento global?

No plano econômico, a SCO avançou em propostas que desafiam diretamente a arquitetura financeira dominada pelo dólar. Entre as medidas mais importantes sugeridas no evento estão a criação de um banco próprio da SCO, a emissão conjunta de títulos, o desenvolvimento de sistemas de pagamento alternativos e a concessão de linhas de crédito bilionárias aos países membros. Caso efetivadas, essas medidas não apenas reduzem a dependência de diversos países asiáticos em relação a instituições ocidentais, mas também funcionam como resposta simbólica às sanções e tarifas que marcam a atual conjuntura internacional.

No âmbito político, a resistência foi o tema principal, ainda que abordado de diferentes formas. O chefe de Estado chinês adotou um discurso de resistência conciliadora, buscando projetar unidade entre os países eurasianos diante das tensões globais. Em sua fala, criticou o que classificou como "bullying de outras nações", a "mentalidade de Guerra Fria" e a lógica de "confronto entre blocos". Apesar disso, Putin, foi mais incisivo, responsabilizando o Ocidente pelo prolongamento da guerra na Ucrânia, enquanto Modi - em sua primeira visita à China em sete anos - buscou equilibrar sua posição, reafirmando o papel da Índia como potência que dialoga com todos os polos. A adoção pela SCO da visão indiana de "Um planeta, uma família, um futuro" ilustra essa tentativa de imprimir ao bloco um tom mais universalista.

No entanto, a SCO enfrenta contradições e dilemas estruturais. As tensões entre China e Índia, a imprevisibilidade do cenário russo e a diversidade de interesses entre seus membros colocam em dúvida a solidez desse projeto. A retórica de multipolaridade é sedutora, mas ainda carece de mecanismos institucionais robustos e de confiança mútua. A cúpula de Tianjin, portanto, deve ser lida menos como a inauguração de uma nova ordem mundial e mais como um ensaio. Um espetáculo cuidadosamente encenado para sinalizar que o mundo está em transformação, mas cujo roteiro real dependerá da capacidade da Organização de Cooperação de Xangai de transformar fotografias de líderes em políticas concretas. Se será apenas conveniência momentânea ou um passo rumo a uma verdadeira multipolaridade, ainda está em aberto.

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