Era 3 de outubro de 2020. A pandemia ainda mantinha Ana em sua casa. 23 anos, trancada em casa, ela passava grande parte dos seus dias sentada em uma poltrona, situação que perdurava dois meses. Ao bater das 23:00, um som que não se ouvia há muito tempo é emitido do quarto.
O telefonema pegou-a de surpresa. Atendeu com impaciência, os olhos presos a um livro que tinha nas mãos, uma história policial que não conseguia parar de ler. Era bom estar sozinha, lendo um livro de suspense numa noite de ventania. O sábado já estava quase no fim, e ela ali, presa àquelas páginas. O som do telefone era uma intromissão, um estorvo. Atendeu a contragosto.
- Você está sozinha? - Sussurrou uma voz masculina arfante.
O coração de Ana disparou. A respiração pesada do outro lado não cessava.
- Quem é você? - Perguntou, trêmula.
O silêncio foi interrompido apenas por
um grito:
- Tente acordar!
O telefone caiu da sua mão. Tonta, sentindo o corpo formigar, Ana desmaiou antes de chegar na cozinha.
Quando abriu os olhos, estava deitada em uma cama fria de hospital, com uma máscara de oxigênio no rosto. Na porta, lia-se: "Paciente em coma". Assustada, encontra sua ficha médica: "Ana, internada desde 2004".
Ela saiu pelos corredores desertos. As luzes da cidade estavam apagadas. No computador da recepção, um único registro: "Todos os pacientes foram transferidos. Instituição encerrada ".
Ana finalmente percebeu: por 16 anos, acreditara estar em casa, mas nunca havia saído do hospital.
A única pergunta que lhe restou foi: quem teria cuidado dela por todo esse tempo?
Observação: O segundo parágrafo pertence ao conto "Os ventos", de Heloisa Seixas.