Não estamos em um mês qualquer. Quando setembro terminar, teremos assistido a um daqueles momentos decisivos que moldam a história de um país e definem seus rumos. Ao longo dos últimos 150 anos, nossa trajetória foi marcada por um ciclo de quarteladas, truculências, golpes e impunidades. Sob o manto demofóbico da “pacificação nacional”, não foram poucos os episódios em que a sociedade foi criminalizada, perseguida, encarcerada, seviciada e massacrada ao clamar por direitos, protagonismo político e inclusão.
Canudos, Contestado, Estado Novo, Caldeirão, 1964, Corumbiara, Eldorado dos Carajás, etc — contextos distintos, o mesmo enredo: atraso bloqueando o moderno, reação se antecipando à ação popular. Golpes foram chamados de revolução, ditaduras se autointitularam democráticas e carnificinas se rotinizaram “em defesa da ordem e do progresso”.
O julgamento de Jair Bolsonaro e de seus asseclas, que conspiraram contra o país, a sociedade e a democracia entre 2019 e 2022, pode representar uma inflexão inédita. Pela primeira vez, uma junta de altos militares — quase todos afetiva e ideologicamente vinculados à linha dura do regime de 1964 — senta-se ante um tribunal civil para responder por tentativa de golpe e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Nada há de trivial aqui.
A condenação exemplar do golpismo nos coloca diante de uma rara oportunidade para afirmar a democracia e exaltar a sociedade civil como instância maior da soberania política. No banco dos réus vemos indivíduos, mas é a história nacional e sua deformada cultura política que estão sendo julgadas. Não por acaso, as forças da reação se apressaram em individualizar o processo, como se tudo não passasse de perseguição de um juiz contra um ex-presidente.
Além de moralmente abjeta e politicamente bizarra, a proposta de anistia que circula no Parlamento é feita sob medida para des-historicizar o processo e apagar o protagonismo social que o sustenta. Para que este setembro seja lembrado como marco de um novo tempo além do velho roteiro das impunidades, será preciso reafirmar o óbvio: democracia não se negocia, sociedade não se tutela e golpe não se anistia.