A reportagem especial de O POVO+, publicada na última segunda-feira, apresentou dados preocupantes sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes no Ceará: entre 2009 e 2024 foram 23.006 vítimas. São cerca de 1.437 casos por ano, 119 por mês e 4 por dia, em média de uma criança ou adolescente violentado a cada seis horas. No mesmo período foram realizados 6.877 indiciamentos por crime sexual no estado e, em quase 97% dos casos, "o grau de parentesco ou vínculo com a vítima" aparece como "Não informado".
O silêncio imposto pelo agressor, em situação de violência sexual, parece ter sido incorporado pelos serviços de proteção à criança e ao adolescente. Parentes próximos da vítima procuram minimizar a violência ocorrida ou, até mesmo, negam que ela tenha acontecido. As experiências traumáticas de crianças e adolescentes não são escutadas por quem deveria oferecer proteção e abrigo. A "dor incompreensível e insuportável", como a descreveu o psicanalista Sandór Ferenczi, exige atendimento célere e encaminhamentos legais.
Infelizmente, para a maioria das vítimas cearenses, os espaços de escuta especializada estão cada vez mais precarizados, compostos por equipes incompletas ou insuficientes, quase sempre formadas por profissionais despreparados para o atendimento ao trauma psíquico ocasionado pela violência sexual. Os gestores de políticas públicas, nos serviços de atendimento às vítimas, em sua maioria, não compreendem que a dor do trauma não pode esperar.
O acompanhamento psicossocial de crianças e adolescentes, vítimas de violência sexual, demanda que esse tipo de trauma seja compreendido como um problema de saúde pública e as modalidades de cuidado ganhem o caráter de serviço essencial, com a proteção legal de continuidade.
O modelo eficaz da clínica do traumatismo sexual requer a formação de equipes multiprofissionais compostas por advogados, assistentes sociais, educadores sociais, médicos e psicólogos, que atuam de modo integrado, com a responsabilidade de que os serviços de acolhimento às vítimas não ficarão à mercê do interesse político.