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Juliana Monteiro - Bem-vindos à nova Guerra Fria
Opinião

Juliana Monteiro - Bem-vindos à nova Guerra Fria

Para o público interno, o desfile foi uma ode à união nacional e ao triunfo do povo chinês sobre a humilhação da invasão japonesa. Internacionalmente, declara-se um país forte e poderoso
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Juliana Monteiro

Mestra em Relações Internacionais pela PUC-Rio

"A humanidade se depara mais uma vez com a escolha entre paz ou guerra, diálogo ou confronto", disse Xi Jinping em discurso no último 3 de setembro, ocasião em que a China organizou, em Pequim, um desfile militar para celebrar o "Dia da Vitória", os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. O palco escolhido foi a praça Tiananmen, onde foram exibidos drones submarinos autônomos, cães-robô, drones aéreos que usam inteligência artificial e mísseis antinavio hipersônicos.

As tropas cumprimentavam o presidente, seguindo-o sem piscar; os artilheiros carregavam as armas em perfeita sincronia, bem na Praça da Paz Celestial. Paradoxal? Irônico? Estratégico. Para o público interno, o desfile foi uma ode à união nacional e ao triunfo do povo chinês sobre a humilhação da invasão japonesa. Internacionalmente, declara-se um país forte e poderoso, capaz de ser um bastião de estabilidade e prosperidade em um momento de incerteza global, sobretudo para líderes não ocidentais.

Uma postura quase natural quando, do outro lado, temos o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, formulando políticas voláteis que prejudicam tanto aliados econômicos e políticos (como as tarifas sobre Índia e Brasil), quanto antigos rivais, como a Venezuela.

Enquanto a grande mídia internacional voltava os olhos ao leste e aos movimentos do nascente bloco não ocidental, o contraponto de Trump foi explodir uma embarcação venezuelana no sul do Mar do Caribe, matando 11 civis, sob alegação de que estes seriam traficantes de drogas. Se, por um lado, a execução extrajudicial viola o direito, por outro, também busca reafirmar o papel dos EUA como "polícia global".

A seu modo, Trump e Xi buscam projetar poder, embora nada indique que desejem guerra total. A história mostra, no entanto, que às vezes o desejo é acessório e refém de maus gestos. O desfile chinês carrega um simbolismo maior que sua mensagem oficial, de vitória na 2ª Guerra, e parece inaugurar, oficialmente, a nova Guerra Fria, ao anunciar: estamos prontos. Mas prontos para o quê? É sintomático que dois dias depois da parada militar chinesa, Trump renomeou o Departamento de Defesa dos EUA para "Departamento de Guerra", tornando o secretário de defesa um "secretário de guerra".

O presidente que se elegeu prometendo encerrar os conflitos e manter os EUA fora de novas guerras, anunciou que a mudança de nome inauguraria uma era de triunfos militares. Mas triunfos contra quem? Se uma guerra aberta entre EUA e China é um cenário ainda distante, tais gestos aprofundam animosidades e sinalizam para os demais atores estatais que há cada vez menos espaço para a diplomacia e o direito internacional, estimulando conflitos militares entre eles. Nesse aspecto a nova Guerra Fria imita a velha. Alguém pode afirmar que seu fim será o mesmo?

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